A decisão de Trump de taxar produtos brasileiros alimenta o discurso de soberania e nacionalismo, impulsionando a oposição à direita e favorecendo a narrativa de Lula
A recente decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de implementar uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros acabou se tornando um ponto de virada para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa medida, anunciada de forma agressiva e carregada de um tom político, forneceu ao petista uma oportunidade rara de revigorar o nacionalismo perdido pela esquerda no Brasil e enfraquecer ainda mais seus opositores.
Uma Oportunidade para o Nacionalismo
O posicionamento de Trump, ao destacar diretamente o envolvimento da família Bolsonaro nas tarifas, proporcionou a Lula uma plataforma sólida para acusar a oposição de ser “entreguista” e reafirmar a importância da soberania nacional. De acordo com analistas políticos, a resposta de Lula à carta de Trump foi um acerto estratégico, permitindo ao presidente brasileiro galvanizar o apoio de seus aliados. Ao mesmo tempo, o discurso de “ricos contra pobres”, amplamente utilizado por seus apoiadores, foi renovado, especialmente após o embate com o governo dos EUA.
Exemplos Internacionais: Como Outros Líderes Reagiram ao “Efeito Trump”
Lula não é o único líder a encontrar um campo fértil para fortalecer sua posição diante das ameaças de Trump. Em países como Canadá, México e Austrália, líderes conseguiram reverter crises internas, utilizando o discurso de soberania como uma poderosa ferramenta eleitoral. No Canadá, por exemplo, o Partido Liberal, que enfrentava um cenário adverso antes das eleições, usou as ameaças de Trump como alavanca para fortalecer o nacionalismo e conquistar a vitória. A campanha de Justin Trudeau se destacou ao adotar um tom de resistência ao trumpismo, até utilizando o hóquei, um símbolo nacional, para engajar a população e defender o país contra as intenções expansionistas de Trump.
No México, a presidente Claudia Sheinbaum seguiu uma estratégia semelhante. Com abertura ao diálogo, ela soube balancear a diplomacia e a firmeza em defesa dos interesses do país, conseguindo reverter as tarifas anunciadas por Trump sem ceder às suas exigências. Sua postura, com foco na defesa da soberania nacional, foi amplamente aprovada, refletindo nas pesquisas de opinião uma impressionante taxa de 85% de aprovação.
Na Austrália, o “efeito Trump” também teve um impacto significativo. O Partido Trabalhista, liderado pelo primeiro-ministro Anthony Albanese, se beneficiou da comparação de seu principal opositor, Peter Dutton, com Trump, o que contribuiu para sua vitória nas eleições de maio.
A Narrativa de Soberania que Une Setores Brasileiros
Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, observa que, ao se posicionar contra Trump, setores brasileiros se uniram em defesa do país, tornando a oposição mais vulnerável. Esse efeito de união diante de uma ameaça externa reforça a popularidade de Lula, que, após o episódio do IOF, se vê agora em uma posição vantajosa.
O cientista político Christian Lynch também vê nas ações de Trump uma espécie de presente para o governo brasileiro, que soube capitalizar a situação a seu favor. Para Lynch, o atual governo de Lula, que até então parecia ausente de um discurso renovador, agora encontra uma oportunidade de revitalizar o nacionalismo de esquerda e se distanciar das pautas mais individualistas que predominavam na década de 1990.
A Tradição Nacionalista no Brasil
O nacionalismo de Lula também ecoa tradições históricas no Brasil, especialmente relacionadas aos movimentos trabalhistas de Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola. O historiador Leonardo Weller destaca que o Brasil sempre teve uma forte tradição de independência diplomática, um fator que ressurge com o recente embate entre o Brasil e os Estados Unidos. Para Weller, as ações de Trump configuram uma ingerência sem precedentes nas relações bilaterais, um gesto explícito que fortalece o discurso nacionalista de Lula, ampliando sua narrativa de “luta de classes”.
A estratégia de Trump de atacar diretamente o Brasil e, ao mesmo tempo, isentar Bolsonaro de responsabilidades, teve um efeito contrário ao esperado. Segundo Pedro Abramovay, vice-presidente global da Open Society Foundations, o ex-presidente dos EUA acaba dando a Lula a oportunidade de se posicionar como defensor dos interesses do país, tornando-se o protagonista de um discurso de soberania e nacionalismo.
Ao responsabilizar Bolsonaro pelas tarifas impostas a produtos brasileiros, Trump cria uma narrativa na qual a extrema-direita brasileira é vista como traidora da pátria, o que coloca a oposição em uma posição defensiva, tanto no Brasil quanto no cenário internacional.
Conclusão
Em um momento de crise global e crise interna, a postura de Trump acabou ajudando Lula a reacender um nacionalismo que parecia estar adormecido na esquerda brasileira. Ao se utilizar de um discurso de soberania, o presidente brasileiro não só fortaleceu sua base de apoio, mas também se colocou à frente de um movimento de resistência que parece estar ganhando força tanto no Brasil quanto em outros países.
