Especialistas destacam progressos, mas apontam desafios contínuos para garantir igualdade no mercado de trabalho
Em 6 de julho de 2025, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI – Lei nº 13.146/2015) completou uma década, consolidando-se como um marco importante na garantia dos direitos e na promoção da inclusão social das pessoas com deficiência. A legislação, inspirada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, trouxe mudanças significativas ao modelo de acessibilidade e inserção dessas pessoas no mercado de trabalho, mas ainda enfrenta desafios na aplicação efetiva de seus princípios.
Avanços na inclusão no mercado de trabalho
A pesquisadora Liliane Gonçalves Bernardes, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ressalta que a LBI representa uma mudança significativa em relação à antiga Lei de Cotas (Lei 8.213/1991), ao promover um modelo mais inclusivo. Além da obrigatoriedade de contratação, a LBI exige que os empregadores garantam condições de acessibilidade no ambiente de trabalho, incluindo adaptações razoáveis que não gerem custos desproporcionais.
Segundo Liliane, o conceito de deficiência na nova legislação é mais amplo, levando em consideração não apenas as diferenças corporais ou mentais, mas também as barreiras enfrentadas pela pessoa em seu contexto social. “A interação entre as diferenças corporais e as barreiras é fundamental para a inclusão social efetiva da pessoa com deficiência”, explicou.
A LBI também avançou ao tipificar a discriminação no ambiente de trabalho como crime, com penalidades para práticas como recusa de contratação ou promoção devido à deficiência. Além disso, incentiva a utilização de profissionais de apoio e tecnologias assistivas para assegurar a permanência e o desenvolvimento da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.
Desafios e o papel da fiscalização
Embora a Lei tenha trazido avanços, a aplicação prática ainda enfrenta obstáculos, como o preconceito persistente e a falta de recursos em muitas empresas. A auditora-fiscal do trabalho, Patrícia Siqueira, destaca a necessidade de mais fiscalização e mudança de postura na sociedade. “Faltam auditores para garantir que as empresas cumpram a cota, mas é fundamental que as empresas também revisem seus mitos sobre a produtividade das pessoas com deficiência”, afirmou.
No que diz respeito à inclusão no mercado de trabalho, o Ministério do Trabalho revela que, entre 2009 e 2021, enquanto o mercado formal cresceu 18,26%, a contratação de pessoas com deficiência aumentou em 78,44%. Minas Gerais é um exemplo positivo, com 60% das vagas reservadas para esse público preenchidas, superando a média nacional de 57,8%.
Inclusão na prática: desafios diários
Apesar das mudanças, a inclusão efetiva ainda depende de avanços significativos em acessibilidade, especialmente no transporte público. Lidiane Leal, uma recepcionista de 40 anos, que nasceu sem as duas pernas e o braço direito, compartilha sua experiência. Ela ingressou no mercado de trabalho por meio de um programa de aprendizagem para pessoas com deficiência. “O que me ajuda é a empresa oferecer acessibilidade, mas o transporte público continua sendo um grande desafio”, relatou Lidiane, que trabalha na Rede Cidadã, em Belo Horizonte.
Dados alarmantes sobre a empregabilidade
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) de 2022 revela uma disparidade alarmante: enquanto a taxa de ocupação entre pessoas sem deficiência era de 60,7%, apenas 26,6% das pessoas com deficiência estavam empregadas. Isso evidencia a persistente marginalização dessa população no mercado de trabalho, principalmente quando se trata de pessoas com deficiências mais severas.
Liliane Bernardes aponta que o modelo capitalista, aliado ao preconceito, ainda contribui para essa exclusão. Muitas empresas acabam contratando apenas pessoas com deficiências mais leves, que exigem menos adaptações, o que dificulta a inclusão de indivíduos com necessidades mais específicas.
O papel do poder público na inclusão
A pesquisadora enfatiza a importância do papel do poder público, que deve regulamentar e aplicar políticas que favoreçam a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Isso inclui não só a fiscalização das cotas, mas também a criação de programas que conectem as pessoas reabilitadas com oportunidades reais de emprego.
Fernanda Naves, vice-coordenadora nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, reforça a necessidade de mudar a cultura social. “A principal barreira ainda é a atitude preconceituosa de acreditar que pessoas com deficiência são incapazes. Precisamos de campanhas de conscientização e ações afirmativas para integrar essas pessoas ao mercado de trabalho”, concluiu.
Perspectivas futuras
A década da LBI trouxe avanços significativos para a inclusão social e no mercado de trabalho das pessoas com deficiência, mas ainda há muito a ser feito. Especialistas apontam a importância de um investimento contínuo em acessibilidade, formação profissional e políticas públicas mais eficazes, com a eliminação das barreiras atitudinais que ainda limitam o potencial de muitas pessoas. O desafio agora é consolidar uma verdadeira cultura de inclusão em todos os aspectos da sociedade.