Estudo realizado pela Unifesp aponta aumento histórico no consumo de drogas ao longo da vida, mas estabilidade no uso recente, com destaque para desigualdade social entre os grupos mais afetados.
Aumento na experimentação de cocaína e crack, mas estabilidade no uso atual
De acordo com o mais recente levantamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), 11,4 milhões de brasileiros com 14 anos ou mais já usaram cocaína ou crack pelo menos uma vez na vida, o que equivale a 6,60% da população. O estudo, realizado com 16.608 pessoas em 300 municípios do país, revelou também que cerca de 3,8 milhões de pessoas (2,20% da população) fizeram uso recente dessas substâncias no último ano.
Ao comparar os resultados com o levantamento anterior, realizado em 2012, houve um aumento estatisticamente significativo no número de pessoas que já consumiram cocaína ou crack ao longo da vida. O índice passou de 4,43% em 2012 para 6,60% em 2023, o que sugere uma tendência crescente na experimentação. No entanto, o consumo atual se manteve estável, com apenas 2,20% dos entrevistados relataram ter usado as substâncias no último ano, comparado a 2% no levantamento anterior.
Características sociodemográficas do consumo de cocaína e crack
O estudo também identificou grupos com maior prevalência de consumo dessas drogas. Os homens e as pessoas com idades entre 25 e 49 anos apresentaram os índices mais elevados de uso. Em relação à cor, as populações amarela e indígena se destacaram com maiores proporções. Do ponto de vista conjugal, os maiores índices foram observados entre pessoas divorciadas ou separadas.
Além disso, a pesquisa apontou que a escolaridade e a renda são fatores determinantes para o consumo de drogas. O uso foi mais elevado entre as pessoas com menor escolaridade e aquelas com renda mensal domiciliar de até dois salários mínimos. Entre os indivíduos sem nenhum nível de escolaridade, 12,77% afirmaram já ter usado cocaína ou crack, enquanto o índice foi de 8% entre os que não concluíram o ensino médio. O consumo recente também foi maior entre esses grupos, com 1,88% e 3% de relatos, respectivamente.
Preocupações com as populações vulneráveis e a percepção do tráfico de drogas
Apesar de não ter havido um aumento significativo no consumo atual de cocaína e crack nos últimos 10 anos, a Unifesp alertou que o uso permanece elevado entre as populações mais vulneráveis. “O uso continua elevado entre grupos com perfis de desigualdade social, exclusão e baixa escolaridade”, destacou a universidade. Além disso, o estudo incorporou pela primeira vez um módulo sobre a percepção comunitária do tráfico de drogas, revelando que 43,8% da população brasileira percebe o tráfico como um problema frequente em seus bairros. As regiões Sudeste (51,6%) e Norte (47,5%) e os grandes centros urbanos destacaram-se com maiores índices de percepção.
Dados sobre o consumo de cocaína e crack
O estudo também forneceu detalhes sobre o consumo de cocaína e crack. Para a cocaína, a pesquisa estimou que 9,3 milhões de brasileiros (5,38% da população) já tenham consumido a droga ao longo da vida, um aumento em relação a 2012, quando 3,88% da população relatou uso. Em 2023, 1,78% dos brasileiros (cerca de 3 milhões de pessoas) consumiram cocaína no último ano, praticamente estável em relação a 2012 (1,77%).
Entre os usuários de cocaína no último ano, 43,6% relataram consumo frequente, ou seja, diário ou mais de duas vezes por semana, um padrão que representa maior risco de complicações agudas. A prevalência de dependência de cocaína na população foi estimada em 0,72%, o que equivale a 1,19 milhão de brasileiros. Para os usuários de cocaína no último ano, 74,8% foram classificados como dependentes.
Em relação ao crack, 1,39% da população (cerca de 2,32 milhões de pessoas) relataram já ter usado a substância alguma vez na vida, enquanto 0,5% (cerca de 829 mil pessoas) fizeram uso no último ano. A pesquisa apontou que as estimativas de 2023 são semelhantes às de 2012, indicando estabilidade no uso de crack. Porém, os pesquisadores destacaram que a amostra de usuários de crack foi insuficiente para uma estimativa precisa sobre a dependência exclusiva dessa substância.
Desafios persistem e a desigualdade social permanece no centro da questão
O estudo realizado pela Unifesp deixa claro que, embora o consumo recente de cocaína e crack tenha se estabilizado nos últimos 10 anos, a desigualdade social continua a ser um fator crucial no aumento do uso dessas substâncias, especialmente entre as populações mais vulneráveis. A pesquisa alerta para a importância de se monitorar essas tendências ao longo do tempo, levando em consideração as variações que podem ocorrer em períodos mais longos e os impactos das políticas públicas de prevenção e tratamento.