Pequenos gestos ou marcas do cotidiano têm custado vidas no Ceará. Pelo menos três adolescentes foram assassinados após serem confundidos com membros de facções criminosas, que apropriaram-se de símbolos e sinais usados de forma inocente por jovens.
Entre as vítimas está Henrique Marques de Jesus, de 16 anos, morto em Jericoacoara no último dia 18 de dezembro. Durante uma viagem com o pai, Henrique foi executado após criminosos acessarem fotos em seu celular e interpretarem gestos de suas mãos como referência a uma facção rival. Ele posava destacando três dedos — símbolo associado, no mundo do crime, a um grupo aliado ao PCC.
O pai, Danilo Martins, afirmou que o adolescente não tinha conhecimento do significado:
“Isso é normal onde moramos. Deveriam ter orientado: ‘Aqui não pode fazer esse símbolo’. Não fazer uma crueldade dessas com um moleque de 16 anos”.
Apropriação de símbolos cotidianos
Facções criminosas têm transformado marcas e gestos banais em elementos de identificação, como explica Luiz Fábio Paiva, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará.
“Esses símbolos servem para afirmar a identidade e a pertença ao grupo. Muitas vezes, quem os utiliza não sabe que estão associados a facções, mas essa apropriação os torna elementos de identificação”.
O professor ressaltou que essa apropriação reflete problemas estruturais da sociedade e da segurança pública:
“Orientar jovens a não fazerem tais gestos mostra o fracasso do Estado em controlar as atividades criminosas. Isso evidencia a gravidade da situação no Ceará, que exige soluções urgentes”.
Casos anteriores: coroinhas assassinados
A tragédia de Henrique não é isolada. Em 2019, Ronald Miguel Freitas de Oliveira, de 15 anos, foi morto em Fortaleza por criminosos que analisaram fotos no celular dele. O adolescente havia sido confundido com integrante de facção rival por usar o símbolo “V” de vitória em imagens.
Já em 2020, Jefferson Brito Teixeira, de 14 anos, foi assassinado por causa de três cortes na sobrancelha — outro elemento associado, erroneamente, ao crime organizado. Jefferson foi brutalmente espancado por membros de uma facção na Barra do Ceará, em Fortaleza.
Resposta das autoridades
A Secretaria da Segurança Pública do Ceará (SSPDS-CE) afirma que está intensificando esforços contra facções criminosas, com ações de inteligência e reestruturação das forças policiais. Entre as iniciativas estão a criação do Departamento de Repressão ao Crime Organizado (DRCO) e a ampliação de agências de inteligência em todo o estado.
Além disso, o Governo do Ceará inaugurou o Centro de Inteligência do Ceará (CIC), que integra equipes de inteligência estaduais e federais, visando a troca de informações para combater o crime organizado. Contudo, episódios como os assassinatos de adolescentes revelam desafios persistentes no enfrentamento à violência e à influência das facções em territórios vulneráveis.
A realidade evidencia a urgência de medidas estruturais para evitar que símbolos banais continuem a custar vidas inocentes.
Da Redação/Clicknews/G1