Maioria dos ministros derruba decisão do ex-presidente da Corte, que havia ampliado a atuação de profissionais de saúde em procedimentos permitidos por lei
Plenário reverte liminar de Barroso
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou pela derrubada da liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso, que suspendia punições criminais a enfermeiros envolvidos em procedimentos de aborto legal. A decisão foi tomada em sessão virtual extraordinária, que segue até 24 de outubro.
Barroso havia deferido a liminar na noite de sexta-feira, 17, pouco antes de se despedir da Corte. Em seu último voto como ministro, ele também defendeu, em outra ação, a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. O magistrado antecipou sua aposentadoria oito anos antes do prazo legal, alegando desgaste e alta exposição pública.
Maioria dos votos contrária à decisão
Votaram contra a liminar os ministros Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Kassio Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Os demais — Luiz Fux, Cármen Lúcia e Edson Fachin — ainda podem se manifestar até o encerramento da votação.
Na decisão suspensa, Barroso determinava que órgãos públicos de saúde não poderiam criar barreiras ao aborto legal nos casos previstos em lei: risco de vida da gestante, gravidez resultante de estupro e anencefalia fetal.
Proteção a profissionais da enfermagem
A liminar também suspendia processos administrativos e penais contra enfermeiros e técnicos de enfermagem que atuassem em procedimentos abortivos dentro das hipóteses legais. Barroso argumentou que o sistema de saúde brasileiro apresenta falhas graves e oferece “proteção insuficiente” às mulheres e meninas que buscam exercer um direito reconhecido há décadas.
A decisão havia sido tomada em duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) — uma apresentada por entidades como a Sociedade Brasileira de Bioética e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, e outra pelo PSOL. Os autores alegavam que a limitação do procedimento apenas a médicos criava uma barreira injustificada e violava direitos fundamentais.
Interpretação do Código Penal
Barroso sustentou que a interpretação literal do artigo 128 do Código Penal — que menciona apenas médicos — acaba impedindo o funcionamento adequado das políticas de saúde pública. Para ele, o Brasil “ignora parâmetros científicos internacionalmente reconhecidos, mantendo uma rede pública insuficiente, desarticulada e desigual”.
O ministro também criticou a imposição de um limite gestacional não previsto em lei para o aborto legal. Citou, como exemplo, a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe o procedimento em casos de estupro quando há possibilidade de sobrevida fetal acima de 22 semanas.
Confronto com o Conselho Federal de Medicina
Na avaliação de Barroso, o CFM extrapolou sua competência ao impor restrições não previstas em lei, criando “embaraços concretos e preocupantes” para a saúde das mulheres. O Conselho, por outro lado, reafirmou posição contrária à ampliação do aborto. Em nota divulgada em fevereiro, declarou que “a realização de aborto por não médico coloca em risco a saúde da mulher” e defendeu que apenas profissionais médicos têm qualificação técnica para o procedimento.
Último ato de Barroso no Supremo
Antes de deixar o tribunal, Barroso também apresentou voto favorável à descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. “As mulheres são seres livres e iguais, dotadas de autonomia, com autodeterminação para fazerem suas escolhas existenciais”, afirmou.
A sessão, no entanto, foi interrompida após pedido de destaque de Gilmar Mendes, o que suspende temporariamente a votação. A tendência é que o tema volte a ficar sem data para ser retomado, assim como ocorreu após o voto da ministra Rosa Weber, que também se manifestou pela descriminalização do aborto antes de se aposentar, em setembro de 2023.
Futuro da pauta no STF
Um dos nomes cotados para suceder Barroso é o advogado-geral da União, Jorge Messias, de perfil evangélico e possivelmente contrário à ampliação do aborto legal. Pelo regimento interno do Supremo, os votos dos ministros aposentados permanecem válidos, impedindo a revisão por seus sucessores.
Barroso já havia se posicionado publicamente sobre o tema, defendendo o direito de escolha das mulheres, embora reconhecesse que o país “ainda não estava socialmente pronto” para uma decisão definitiva da Corte. Sua saída antecipa o encerramento de uma trajetória marcada por pautas de direitos civis e debates morais sensíveis.