Ministros defendem que plataformas devem agir após notificação extrajudicial; decisão final ainda será construída por consenso
Supremo avança em responsabilização de plataformas digitais
O Supremo Tribunal Federal (STF) alcançou maioria de votos a favor da responsabilização das redes sociais por conteúdos ilícitos publicados por usuários. Até o momento, seis ministros se manifestaram a favor da dispensa de decisão judicial para a retirada de publicações ilegais, enquanto apenas um voto divergiu. Apesar do placar, os termos da nova regulamentação ainda estão em fase de construção e deverão ser consolidados por meio de consenso entre os magistrados.
A maioria foi consolidada com o voto do ministro Gilmar Mendes, que criticou duramente a atual interpretação do Marco Civil da Internet. Segundo ele, o dispositivo tem funcionado como um “véu da irresponsabilidade para plataformas digitais”, ao impedir que empresas sejam responsabilizadas mesmo quando informadas sobre a presença de conteúdos criminosos.
O julgamento foi temporariamente suspenso e será retomado com a manifestação do ministro Edson Fachin. O debate gira em torno da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que condiciona a responsabilização das plataformas à existência de ordem judicial.
Gilmar Mendes propõe mudança de paradigma
Em seu voto, Gilmar Mendes defendeu que a regra vigente — que condiciona a remoção de conteúdo à identificação precisa do endereço digital e a uma decisão judicial — é ineficaz diante da dinâmica da internet. Para o ministro, essa exigência resulta em uma “tentativa de enxugar gelo”, pois conteúdos replicados continuam circulando mesmo após a retirada inicial.
Mendes propôs que o artigo 21 do Marco Civil, que trata da responsabilização em caso de notificação, se torne a norma geral para as plataformas. Assim, uma vez comunicadas sobre a ilegalidade de determinado conteúdo, as empresas passariam a ter o dever de removê-lo, sob pena de responsabilização civil.
Flávio Dino: “Liberdade sem responsabilidade é tirania”
O ministro Flávio Dino também defendeu a responsabilização das plataformas digitais, argumentando que a liberdade de expressão deve coexistir com a responsabilidade. “Liberdade regulada é a única liberdade”, afirmou. Dino ressaltou que nenhuma atividade econômica funciona com base exclusiva na autorregulação e que o Estado tem o dever de impor limites diante de abusos.
Zanin: dever de agir diante de ilegalidades evidentes
Acompanhando a maioria, o ministro Cristiano Zanin afirmou que provedores de aplicação que participam ativamente da disseminação de conteúdos devem ser responsabilizados quando, notificados, deixam de remover publicações manifestamente ilícitas. Ele citou casos como perfis falsos, invasões de contas e divulgação de informações fraudulentas.
Ministros articulam consenso para redação final
Embora a maioria esteja formada, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, indicou que a decisão definitiva não será tomada nesta semana. A ministra Cármen Lúcia não participa da sessão atual, e o ministro Nunes Marques pediu mais tempo para analisar o caso. Segundo Barroso, diante da diversidade de argumentos apresentados, será construída uma proposta de redação conjunta que incorpore os diferentes entendimentos.
Debate sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet
O cerne do julgamento está na validade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece que plataformas só podem ser responsabilizadas caso descumpram ordens judiciais para remoção de conteúdo. Os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, relatores das ações, votaram pela inconstitucionalidade do dispositivo, entendendo que ele se tornou insuficiente para garantir a proteção de direitos fundamentais frente às novas ameaças no ambiente digital.
Toffoli sustentou que, diante de ofensas evidentes como racismo ou ameaças, as plataformas devem agir após notificação extrajudicial, dispensando a necessidade de intervenção judicial. Para ele, a regra atual falha em oferecer proteção eficaz e não responde aos riscos sistêmicos gerados por novos modelos de negócios na internet.
Fux, por sua vez, apontou um “déficit de proteção” e criticou a falta de incentivo das empresas digitais para removerem conteúdos criminosos, classificando o ambiente online como uma “terra sem lei”.
Mendonça diverge e defende liberdade com moderação própria
O ministro André Mendonça foi o único até agora a divergir da maioria. Em seu voto, argumentou que o artigo 19 é constitucional e que as plataformas têm legitimidade para estabelecer regras próprias de moderação. Para ele, a liberdade de expressão deve ser preservada, e remoções só são justificadas quando há perfis comprovadamente falsos ou conteúdos com decisão judicial clara. Mendonça também destacou a necessidade de assegurar às plataformas o direito de recorrer de determinações de exclusão.
Barroso propõe responsabilidade proporcional e regulação legislativa
Em um voto de caráter intermediário, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou que as plataformas devem ser responsabilizadas quando, mesmo cientes de violações evidentes da legislação penal, permanecem inertes. Barroso defendeu que a atual legislação não oferece proteção adequada à dignidade humana e aos valores democráticos, e propôs que o Congresso Nacional avance na criação de um marco regulatório específico para as plataformas, com medidas de prevenção, sanções e a criação de um órgão regulador para o setor.