No primeiro julgamento sob a presidência de Edson Fachin, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve rejeitar o voto do novo chefe da Corte em um caso de grande repercussão social e econômica: a existência de vínculo empregatício entre motoristas e entregadores de aplicativos e as empresas que operam essas plataformas.
Conhecido por adotar posições voltadas à proteção social, Fachin costuma decidir em sentido contrário aos interesses empresariais. No entanto, a maioria do Supremo vem consolidando entendimento favorável aos empregadores em ações trabalhistas. Diante da tendência, o ministro busca uma saída intermediária, que não reconheça o vínculo formal, mas imponha garantias básicas aos trabalhadores — como remuneração mínima e limite de jornada.
A chamada “uberização” do trabalho motivou o novo presidente a levar o tema ao plenário, a fim de uniformizar o entendimento da Corte. Qualquer decisão tomada formará uma tese que orientará os tribunais de todo o país. Mesmo consciente da provável derrota, Fachin decidiu pautar o julgamento para provocar uma discussão mais ampla sobre as condições de trabalho no setor. Em seu discurso de posse, ele destacou a importância de incluir grupos vulneráveis e minoritários no debate jurídico.
Processos de Uber e Rappi no centro do julgamento
As ações em análise foram movidas pela Uber e pela Rappi, que contestam decisões de instâncias inferiores favoráveis a trabalhadores. O julgamento começou em 1º de outubro, quando o plenário ouviu as sustentações orais dos advogados das empresas, do advogado-geral da União, Jorge Messias, e de Claudionor Leitão, representante da Defensoria Pública da União (DPU).
Fachin suspendeu a sessão no dia seguinte e informou que a votação deve ocorrer dentro de cerca de 30 dias. Até lá, ministros poderão negociar uma decisão intermediária.
Com a aposentadoria de Luís Roberto Barroso, anunciada na semana passada, o julgamento poderá ocorrer com apenas dez ministros, caso a nova indicação à Corte ainda não tenha sido aprovada.
Precedentes contrários ao vínculo trabalhista
O STF já possui decisões anteriores que afastam o reconhecimento do vínculo empregatício em plataformas digitais. Em dezembro de 2023, a Primeira Turma entendeu que motoristas da Cabify atuam de forma autônoma. Na ocasião, Alexandre de Moraes ressaltou que a autonomia dos trabalhadores deve ser preservada, e foi acompanhado por Cármen Lúcia, Luiz Fux e Cristiano Zanin.
Em fevereiro de 2024, a mesma turma derrubou, por unanimidade, decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que reconhecia vínculo entre um entregador e a Rappi. Flávio Dino, ainda não empossado na época, não participou desses julgamentos. Em declarações anteriores, ele defendeu que disputas trabalhistas deveriam tramitar primeiro nas instâncias inferiores e criticou o uso de reclamações constitucionais para reverter decisões pró-trabalhador.
O primeiro voto de Dino no STF foi justamente a favor do reconhecimento da repercussão geral do tema da uberização, agora levado ao plenário por Fachin. Embora ainda não tenha sinalizado sua posição final, há expectativa de que o ministro se alinhe ao presidente.
Terceirização e pejotização moldam o cenário atual
Em 2020, o plenário do Supremo reconheceu a legalidade da terceirização e de outras formas de divisão de trabalho entre pessoas jurídicas, sem vínculo formal de emprego. Fachin, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber ficaram vencidos — os três últimos já aposentados.
A maioria formada por Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Celso de Mello consolidou a posição favorável à terceirização.
Mais recentemente, Gilmar Mendes determinou a suspensão de todas as ações que discutem a chamada “pejotização” — quando empresas contratam profissionais como pessoas jurídicas em vez de assinar carteira de trabalho. O ministro criticou decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem vínculo nesse modelo, alegando que elas restringem a “liberdade de organização produtiva” e desrespeitam entendimentos anteriores do Supremo.
Decisão sobre a “uberização” definirá o futuro das relações de trabalho
Os precedentes sobre terceirização e pejotização indicam o rumo que o STF pode seguir no julgamento da uberização. No centro do debate está a questão fundamental sobre o alcance dos direitos trabalhistas fora do modelo da CLT e a definição dos limites entre autonomia e subordinação no mercado de trabalho contemporâneo.
Independentemente do resultado, o julgamento marcará o início da gestão de Fachin com um tema que simboliza o desafio de equilibrar a modernização das relações produtivas e a proteção social no país.