Proposta em tramitação no Senado altera regras de convivência em condomínios e permite regulamentação do uso do Airbnb
Assembleia poderá aprovar expulsão de moradores com comportamento antissocial
O projeto de reforma do Código Civil que avança no Senado Federal promete fortalecer o papel das assembleias condominiais em decisões sensíveis da vida em comunidade. Uma das mudanças mais significativas previstas na proposta é a possibilidade de expulsão de moradores cujo comportamento seja classificado como antissocial. Atualmente, o texto em vigor apenas permite a aplicação de multas de até dez vezes o valor da cota condominial, mediante aprovação de três quartos dos condôminos.
Caso a reforma seja aprovada, a decisão de expulsar um morador poderá ser tomada com quórum reduzido — dois terços da assembleia — e dependerá de autorização judicial. O juiz, nesse caso, deverá avaliar se as sanções administrativas anteriores foram insuficientes para coibir as condutas nocivas à convivência coletiva.
Conceito de antissocial e impacto nos tribunais
O novo texto mantém a definição de morador antissocial como aquele que, de forma reiterada, compromete a harmonia entre os condôminos. O objetivo é uniformizar o entendimento jurídico e dar mais respaldo às decisões dos síndicos e das assembleias. A medida pode impactar diretamente julgamentos que hoje dividem os tribunais.
Em São Paulo, por exemplo, a Justiça determinou em 2022 a saída de uma moradora que proferiu ofensas racistas ao humorista Eddy Júnior, vizinho de prédio. O caso ganhou notoriedade e foi registrado em vídeo. Apesar da decisão, a moradora, Elizabeth Morrone, recorreu e ainda reside no local.
Outros casos ilustram a controvérsia. Em 2021, o Tribunal de Justiça de São Paulo impediu a retirada de uma locatária agressiva por falta de respaldo legal. No Distrito Federal, em 2020, a Justiça condicionou a expulsão de um morador incômodo à aprovação em assembleia, diante da ausência de previsão expressa no Código Civil.
Especialistas defendem segurança jurídica e maior clareza
Para o advogado Diego Basse, que representou o condomínio no caso contra Elizabeth Morrone, a mudança tornará os procedimentos mais objetivos, embora a decisão final continue sendo prerrogativa do Judiciário. “Apenas o juiz pode determinar a retirada de alguém de sua propriedade”, ressalta.
Já o diretor jurídico da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), Roberto Bigler, acredita que a nova legislação pode contribuir para pacificar conflitos. “A clareza da sanção tende a melhorar a convivência condominial, mesmo que ainda reste espaço para diferentes interpretações jurídicas”, avalia.
Proprietário continua dono do imóvel, mesmo expulso
Apesar de a expulsão restringir o direito de uso do imóvel, o texto da reforma mantém a titularidade da propriedade. O morador afastado poderá alugar ou vender o bem, mas estará impedido de participar de assembleias e votações, assim como os inadimplentes.
Para o professor Daniel Cervasio, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a proposta supre uma lacuna legal que compromete a segurança jurídica: “Hoje não há previsão clara para limitar o uso da propriedade por conta de comportamento antissocial”.
Cervasio também defende avaliações criteriosas em situações sensíveis, como em casos que envolvem moradores com condições especiais. “A tolerância deve prevalecer em determinados contextos”, pontua.
Multas mais altas para inadimplentes
Outro ponto relevante da proposta é o aumento do valor das multas aplicadas aos condôminos inadimplentes. A taxa, hoje limitada a 2% sobre o valor da cota, poderá ser ampliada para até 10%, o que, segundo defensores da medida, busca coibir a inadimplência que compromete o funcionamento financeiro dos empreendimentos residenciais.
Airbnb: uso será permitido apenas com previsão em convenção
A proposta também traz mudanças importantes em relação ao aluguel de imóveis por meio de plataformas como o Airbnb. Em vez de permitir automaticamente a prática, o novo texto estabelece a proibição como regra, salvo se houver autorização expressa na convenção do condomínio.
A medida contraria decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que em 2021 reconheceu a possibilidade de condomínios residenciais proibirem o aluguel de curta duração. “A norma traz flexibilidade para que cada comunidade decida conforme sua realidade e vocação”, avalia Bigler, da Abadi.
Nos condomínios mais recentes, voltados ao público investidor, a prática já costuma estar prevista nas normas internas. “Esses prédios já nascem com a cara do Airbnb”, afirma Basse. No entanto, nos demais, será necessária uma mobilização dos moradores para alterar a convenção e permitir esse tipo de hospedagem.
Caminho legislativo ainda está em debate
Embora o projeto represente avanços significativos em temas que desafiam a convivência condominial no Brasil, especialistas alertam que a proposta ainda poderá sofrer modificações ao longo de sua tramitação no Congresso Nacional. O debate entre juristas, parlamentares e representantes da sociedade civil será crucial para ajustar o texto final à complexidade da vida em comunidade nos mais de 13 milhões de domicílios em condomínios identificados pelo Censo de 2022.