Igreja Universal é responsabilizada por induzir fiel a doar patrimônio sob promessa de bênçãos
Transcrições de áudios enviados por um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) a um padeiro de Olinda (PE) revelam os apelos feitos em nome da instituição para que o homem doasse todo o seu patrimônio — incluindo os recursos da venda da própria padaria. A prática foi considerada abusiva pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), que determinou que a igreja indenize o ex-fiel em R$ 30 mil. A IURD informou que recorrerá da decisão.
As gravações, obtidas pelo portal Terra, mostram o pastor Rodrigo Antônio, que atua no templo da Universal no bairro Santo Amaro, região central do Recife, orientando o padeiro a não dividir o dinheiro com familiares. “O senhor não tem que dar nada não. Não cai nessa não. Isso é o diabo”, diz o pastor. Em outro momento, reforça: “Pega o valor, pega tudo que o senhor tem, põe no altar, no sacrifício, pra Deus te abençoar”.
O líder religioso ainda contesta a relação conjugal do fiel e critica a doação de parte dos recursos à companheira: “O senhor não tem que dar R$ 5 mil pra essa mulher. O senhor não tem que dar R$ 10 mil pra mãe dela. Não! (…) Eu acho que nem no papel o senhor é casado, o senhor não deveria ter dado nada pra ela”.
Venda da padaria e promessa de bênçãos
Fiel desde março de 2017, o padeiro passou a frequentar semanalmente a Igreja Universal, onde conheceu o pastor Rodrigo Antônio. Nos cultos, fazia doações que variavam entre R$ 20 e R$ 200. Em novembro daquele ano, comunicou ao religioso a intenção de fechar sua padaria, vender todos os bens e entregar R$ 40 mil à igreja. Segundo ele, o pastor afirmou que, caso o sacrifício fosse cumprido, sua vida mudaria positivamente a partir de janeiro de 2018.
Desde então, os áudios mostram o esforço do pastor em convencê-lo da doação. “Agora é hora de sacrificar. Sacrifício não é só os R$ 30 mil, é toda vida do senhor. (…) O senhor já se batizou, agora é o senhor pegar e preparar o seu sacrifício. Se tiver mais coisas que o senhor pegue e fale assim: ‘vou vender, vou botar esse dinheiro no envelope’. O senhor tá cansado dessa vida (…) O senhor rejeitou o altar! O senhor não colocou toda força no altar.”
Com o tempo, no entanto, a prometida mudança não se concretizou. Endividado, com aluguéis em atraso, mensalidades escolares pendentes e sem a padaria que garantia sua renda, o padeiro procurou novamente o pastor, que respondeu: “Corre atrás de trabalho”.
Decisão judicial cita abuso de poder e má-fé
Na avaliação do TJPE, o pastor utilizou sua influência espiritual para induzir o fiel a doar bens e valores com base em promessas de bênçãos divinas e ameaças implícitas de que sua situação pioraria caso não obedecesse. A corte reconheceu a existência de “exploração da fé” e “vulnerabilidade emocional”, afirmando que houve excesso no exercício da liberdade religiosa, além de má-fé e abuso de poder.
O acórdão também cita a existência de um “padrão de conduta” adotado por líderes da IURD para a captação de doações entre os fiéis, ultrapassando os limites da autonomia religiosa e ferindo direitos individuais.
Igreja contesta decisão e fala em “liberdade de culto”
Após a condenação, a Igreja Universal alegou cerceamento de defesa, afirmando que não teve a oportunidade de apresentar testemunhas para comprovar a legalidade das doações. Em sua apelação, sustenta que a decisão viola dispositivos do Código Civil, do Código de Processo Civil e da Constituição, especialmente no que diz respeito à liberdade religiosa.
A igreja nega qualquer tipo de coação e afirma que as doações foram voluntárias, realizadas por um indivíduo plenamente consciente e conhecedor dos rituais litúrgicos da denominação. A IURD sustenta ainda que “nenhuma igreja ou instituição assistencialista que depende de doações voluntárias poderia existir se a lei não a protegesse de supostos ‘doadores arrependidos’”.
Por fim, a instituição reiterou que, em um Estado laico como o Brasil, não cabe ao Judiciário interferir na relação entre um fiel e sua igreja, e declarou estar confiante de que “a Justiça e a verdade prevalecerão”.