Alegações finais aproveitam posicionamento do magistrado sobre competência do STF e questões processuais; julgamento começa em setembro
Voto divergente é usado como estratégia de defesa
O ministro Luiz Fux, integrante da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), passou a ser referência para a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros réus na ação penal que investiga uma suposta tentativa de golpe de Estado. Nas alegações finais, os advogados recorreram a manifestações do magistrado para questionar pontos do processo e pleitear a absolvição de seus clientes.
Segundo especialistas consultados, a estratégia se baseia na utilização de votos divergentes do ministro como fundamento para contestar uma eventual condenação.
“Uma decisão unânime tem um peso totalmente diferente de uma tomada por maioria. Um voto divergente de Fux oferece à defesa do ex-presidente e dos demais réus um argumento para tentar recursos dentro da mesma turma”, explica Rubens Becak, advogado e professor de direito na Universidade de São Paulo (USP).
Marcelo Figueiredo, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ressalta que, embora seja improvável que a posição de Fux prevaleça, seu voto divergente em um colegiado de cinco magistrados pode servir como base para recursos em tribunais internacionais.
“Em um colegiado, o peso de um único voto não é determinante, mas nem sempre a maioria está correta. O voto vencido hoje pode se tornar o vencedor amanhã. Fux está praticamente sozinho na interpretação que faz, mas há quem considere sua posição juridicamente sólida”, afirma Figueiredo.
Competência do STF e prerrogativa de foro
Um dos pontos centrais explorados pelas defesas é a competência do STF para julgar réus que não ocupam cargos públicos. O ministro Fux, que ficou vencido, defendeu a incompetência da Corte para analisar a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
“É um ponto muito polêmico. A linha defendida por Fux dá melhores condições para garantir o devido processo legal, já que as autoridades não ocupam mais os cargos, tornando natural que o processo tramitaria na primeira instância, como em outros casos”, pondera Becak.
A jurisprudência do STF, no entanto, mantém que, nos crimes cometidos no exercício do cargo e em razão das funções, a prerrogativa de foro se estende mesmo após o afastamento da autoridade, ainda que o inquérito ou a ação penal tenham início posteriormente.
“Além do aspecto técnico, há uma dimensão política. Particularmente, entendo que o STF não deveria julgar ex-presidentes, como aconteceu no caso do presidente Lula, que foi processado na Vara Federal de Curitiba, em primeira instância”, acrescenta Figueiredo.
Julgamento do ex-presidente e do núcleo crucial
O presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin, marcou para 2 de setembro o início do julgamento do ex-presidente Bolsonaro e de outros sete réus considerados parte do “núcleo crucial”.
A PGR pede a condenação dos acusados por crimes como tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça, além de deterioração de patrimônio tombado.
Por sua vez, as defesas solicitaram a absolvição com base em questões processuais e na suposta falta de provas.
Réus do núcleo crucial
- Jair Bolsonaro (PL), ex-presidente;
- Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e candidato a vice-presidente em 2022;
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente;
- Alexandre Ramagem (PL-RJ), deputado federal e ex-presidente da Abin;
- Almir Garnier, almirante de esquadra que comandou a Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
- Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
- Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-ministro da Defesa.