Nova diretriz permite acúmulo de folgas e férias, podendo ser usufruídas ou convertidas em dinheiro
Uma resolução publicada recentemente pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) ampliou significativamente o número de dias que magistrados podem se afastar das funções ao longo do ano. A norma, válida para toda a magistratura federal, estabelece que juízes envolvidos em projetos fora de sua jurisdição original — mesmo que remotamente — poderão obter até dois dias extras de folga por semana, limitados a oito por mês.
Somadas a outros benefícios previstos em normativas anteriores, essas novas regras possibilitam que um juiz federal, em situação-limite, fique fora do trabalho por até 202 dias dos 365 do ano. O dado consta em levantamento publicado pelo jornal O Globo. Questionado, o CJF não comentou a resolução.
Folgas acumuladas e cálculo da licença compensatória
O número elevado de dias de afastamento é resultado da combinação de diferentes dispositivos. Um deles é a licença compensatória, que garante um dia de descanso para cada três dias de trabalho extraordinário, desde que o juiz esteja cobrindo a ausência de outro colega, em férias ou afastamento. Esse benefício, porém, é limitado a dez dias por mês.
Na prática, a simultaneidade de 18 dias de folga em um único mês — oito dias pela nova resolução e dez pela licença compensatória — é inviável, pois não haveria dias úteis suficientes para justificar as ausências. No entanto, os juízes ainda conseguem acumular até 13 dias em meses com 30 dias e até 15 em meses com 31 dias.
Somando-se os 60 dias de férias anuais, assegurados pela Lei Orgânica da Magistratura, aos 142 dias potenciais de folgas mensais, chega-se ao total de 202 dias de afastamento. O cálculo não considera os finais de semana, embora os magistrados possam ser escalados para plantões — cuja periodicidade varia conforme o tribunal.
Dias de descanso também viram pagamento extra
Apesar do volume expressivo de dias possíveis de folga, nem todos os magistrados utilizam o benefício integralmente. As normas vigentes permitem que os dias não usufruídos sejam convertidos em remuneração adicional. Como esses pagamentos têm natureza indenizatória, não entram no cálculo do teto constitucional, atualmente fixado em R$ 46,3 mil.
“Essa multiplicidade de avenidas para acumular folgas não foi pensada estritamente para conceder um justo descanso a servidores sobrecarregados, como deveria ser o caso, mas para abrir caminhos para a conversão futura desses períodos de folga em dinheiro”, avalia Bianca Berti, analista da ONG Transparência Brasil.
Impacto fiscal e falta de padronização nas folhas de pagamento
Um relatório divulgado pela Transparência Brasil em dezembro do ano passado apontou que a licença compensatória custou aos cofres públicos cerca de R$ 819 milhões entre julho de 2023 e outubro de 2024. Parte desse valor se refere à conversão de folgas em pagamentos.
Segundo análise feita a partir da base de dados de remuneração fornecida pelos próprios tribunais ao Globo, há registros de magistrados que receberam até R$ 30 mil mensais apenas em indenizações por dias de folga não utilizados. O valor pode ser ainda maior, devido à ausência de padronização nas folhas de pagamento — diferentes tribunais adotam nomenclaturas distintas para o mesmo benefício.
Na Justiça Federal, por exemplo, somente em 2023, R$ 94 milhões foram gastos com “pagamentos retroativos”, categoria que abrange licenças compensatórias de anos anteriores.
R$ 7 bilhões pagos acima do teto em 2024
Em fevereiro deste ano, reportagem do Globo revelou que o Judiciário desembolsou quase R$ 7 bilhões em valores acima do teto constitucional ao longo de 2024. O dado tem como base informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). À época, o órgão esclareceu, por nota, que “muitos dos pagamentos citados são passivos relativos a decisões judiciais que deram ganho de causa a esses profissionais para o pagamento desses valores”.
Esses pagamentos extras — popularmente chamados de “penduricalhos” — quando feitos na forma de indenização, não apenas escapam ao limite salarial imposto pela Constituição, como também são isentos da incidência do Imposto de Renda.
( Com O GLOBO )