Ex-presidente e outros sete réus respondem por crimes que incluem abolição violenta do Estado de direito, organização criminosa e ataques ao patrimônio público
Protestos em meio à pandemia reacenderam investigações
Em abril de 2020, manifestantes ocuparam as ruas de Brasília pedindo intervenção militar, fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), além da volta do AI-5, o ato mais repressivo da ditadura. Bandeiras do Brasil eram erguidas ao som de hinos pró-Bolsonaro. Embora não tenha havido invasão de prédios públicos naquele momento, o episódio marcou o início de uma escalada de tensões políticas.
Durante a manifestação, fogos de artifício foram disparados contra a sede do STF, o que levou a Procuradoria-Geral da República (PGR) a pedir a abertura de inquérito sobre atos considerados antidemocráticos. O Supremo acatou o pedido, ampliando as apurações já em curso desde 2019 sobre disseminação de fake news e ameaças a magistrados.
De fake news a milícias digitais
O inquérito aberto em 2019 pelo ministro Dias Toffoli investigava ataques virtuais a ministros do STF. Em 2020, Alexandre de Moraes passou a conduzir também as apurações sobre atos antidemocráticos, incluindo financiadores de manifestações que defendiam golpe militar. Em 2021, o inquérito evoluiu para investigar as chamadas “milícias digitais”, que usavam desinformação para atacar a democracia.
Nesse período, Bolsonaro intensificou ataques ao sistema eletrônico de votação, chegando a realizar transmissões ao vivo em que apresentava vídeos antigos e cálculos equivocados como supostas provas de fraude. Para a PGR, não se tratava de “desabafo eventual”, mas de uma estratégia deliberada.
Escalada contra o STF
Entre 2021 e 2022, Bolsonaro elevou o tom contra ministros do Supremo, especialmente Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Em discursos, disse que daria um “último recado” à Corte e chegou a declarar que não cumpriria mais decisões de Moraes. Após forte reação institucional, recuou parcialmente, alegando ter sido influenciado pelo “calor do momento”.
Em reuniões fechadas com ministros e em encontros com embaixadores, o então presidente insistiu em questionar a lisura do processo eleitoral e atribuiu às Forças Armadas papel de supervisão sobre as urnas. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) classificou as declarações como abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Estruturação da trama golpista
Com a derrota nas urnas em 2022, apoiadores de Bolsonaro instalaram acampamentos em frente a quartéis pedindo intervenção militar. A Polícia Federal apurou que núcleos foram organizados para articular atos violentos, inclusive com planos de assassinato de autoridades como Lula e Moraes, além da minuta de um decreto golpista.
Em janeiro de 2023, a crise atingiu o ápice com a invasão da Praça dos Três Poderes. Cerca de 4 mil golpistas depredaram as sedes do STF, do Congresso e do Planalto. Mais de 200 pessoas foram denunciadas por participação em atos considerados graves.
Inelegibilidade e novas medidas contra Bolsonaro
Em junho de 2023, o TSE declarou Bolsonaro inelegível por oito anos. No início de 2024, a Operação Tempus Veritatis resultou na apreensão de seu passaporte e na proibição de contato com aliados investigados. Pouco depois, a Primeira Turma do STF aceitou denúncia da PGR e tornou Bolsonaro réu por tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de direito, organização criminosa armada, dano qualificado e destruição de patrimônio tombado.
Em 2025, medidas cautelares foram impostas, como o uso de tornozeleira eletrônica e restrição às redes sociais. Após descumprir ordens judiciais, Bolsonaro foi colocado em prisão domiciliar.
O julgamento histórico de setembro de 2025
O Supremo iniciou nesta terça-feira (2) o julgamento do núcleo central da trama golpista. Bolsonaro e outros sete réus respondem por cinco crimes, com penas que podem ultrapassar 40 anos de prisão. A previsão é que o julgamento se estenda por pelo menos cinco dias, mas pedidos de vista podem adiar a decisão final por até 90 dias.
( Com DW )