Facção criminosa nasceu da convivência entre presos políticos e comuns durante a ditadura militar
O Comando Vermelho, hoje associado ao narcotráfico e ao controle territorial em comunidades do Rio de Janeiro, teve origem em um contexto histórico singular: o sistema prisional brasileiro sob o regime militar. Estudos acadêmicos e documentos oficiais apontam para a formação da facção a partir da interação entre detentos políticos e criminosos comuns, confinados em condições precárias e unidos por estratégias de sobrevivência que evoluíram para uma estrutura organizada.
Ilha Grande: o berço da aliança entre ideologia e criminalidade
No final dos anos 1970, o Instituto Penal Cândido Mendes, localizado na Ilha Grande, em Angra dos Reis, reunia presos considerados de alta periculosidade e opositores do regime militar. O convívio diário entre militantes políticos e criminosos comuns favoreceu a troca de conhecimentos sobre organização, disciplina e resistência. Essa convivência fomentou um senso de coletividade e autogestão entre os encarcerados.
A primeira configuração do grupo apresentava traços assistenciais. Pesquisadores relatam a criação de um “caixa comum”, utilizado para financiar fugas, melhorar as condições internas do presídio e prestar auxílio às famílias dos presos. Tais iniciativas conferiram prestígio aos organizadores e consolidaram o grupo como uma instância de mediação dentro do sistema carcerário.
Influência política e ausência do Estado como catalisadores
Embora a presença de militantes políticos tenha contribuído com técnicas de organização, o surgimento da facção está ligado a uma combinação de fatores: a violência institucional, a carência de políticas penitenciárias eficazes e a exploração econômica do tráfico de drogas. A ausência do Estado dentro das prisões abriu espaço para que regras internas fossem estabelecidas e respeitadas.
Fundadores: os nomes por trás da estrutura inicial
Três figuras são frequentemente citadas como fundadores do Comando Vermelho. William da Silva Lima, conhecido como Professor, chegou à Ilha Grande em 1971. Em entrevista ao jornal O Globo, em 2017, afirmou: “Não havia regras de comportamento naquela época nos presídios. Um preso desrespeitava o outro. Imagina um pai de família sendo violentado, estuprado. Ou um detento que tinha seus pertences roubados, algo que a mãe trazia numa visita para o filho e, quando ela ia embora, outro pegava. A Falange Vermelha veio para criar leis de convivência, um código de conduta, pedir respeito ao preso, isso era necessário”. Condenado a mais de 95 anos de prisão, William faleceu em 2019, em regime aberto.
José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, iniciou sua trajetória criminosa ainda jovem e ganhou notoriedade por sua fuga cinematográfica de helicóptero da Ilha Grande, em 31 de dezembro de 1985. Já Rogério Lemgruber, conhecido como Bagulhão ou Marechal, foi responsável por organizar assaltos a banco antes de ser preso em 1972, tornando-se um dos pilares da facção.
Da autodefesa ao domínio do tráfico
A transição do grupo de autogestão para uma facção criminosa com forte atuação no tráfico de drogas ocorreu principalmente na virada para os anos 1980. A expansão do mercado ilegal de entorpecentes nas favelas do Rio de Janeiro abriu novas possibilidades econômicas. O Comando Vermelho passou a utilizar os recursos inicialmente voltados à sobrevivência para consolidar poder logístico e territorial fora dos presídios, marcando o início de sua influência como organização criminosa de grande escala.



