Especialistas apontam que pressões de Donald Trump e medidas econômicas recentes ampliam a dimensão internacional do caso que investiga tentativa de golpe de Estado
Processo no STF e implicações internacionais
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciará nesta terça-feira (2/9) o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acusado de envolvimento em uma suposta tentativa de golpe de Estado. O caso, de natureza doméstica, ganha contornos internacionais diante do apoio público do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e das recentes ações econômicas e diplomáticas de Washington contra o Brasil.
Analistas políticos destacam que uma eventual condenação de Bolsonaro pode agravar ainda mais o desgaste nas relações bilaterais e gerar novas medidas de retaliação por parte da Casa Branca. O julgamento envolve não apenas o ex-presidente, mas também sete integrantes de seu governo, conhecidos como o “núcleo crucial” da suposta organização criminosa que teria tentado reverter o resultado das eleições de 2022. Entre os réus estão três generais do Exército — Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto —, Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Abin, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, e Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Todos negam as acusações.
A interferência americana no processo
Antes mesmo da abertura do processo contra Jair Bolsonaro, seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), iniciou contatos com autoridades norte-americanas em busca de apoio internacional. Ele acompanhou a posse de Donald Trump e manteve-se nos EUA, registrando encontros com autoridades americanas e pleiteando o que considerou “justas punições” contra integrantes do STF e da Polícia Federal.
As primeiras manifestações de apoio de Washington ocorreram ainda em abril, quando Jason Miller, conselheiro de Trump, classificou o ministro Alexandre de Moraes como uma “ameaça à democracia”. Em maio, o senador Marco Rubio indicou que os EUA poderiam aplicar sanções contra Moraes, invocando a Lei Magnitsky, que permite punir estrangeiros acusados de violações de direitos humanos.
Em julho, Trump voltou a se manifestar publicamente, classificando o julgamento de Bolsonaro como injusto e afirmando que o Brasil estaria perseguindo o ex-presidente de forma contínua. Dois dias depois, o governo americano impôs tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, a mais alta entre os países afetados, e enviou carta ao presidente Lula alegando que o julgamento seria uma “caça às bruxas”.
Além disso, o governo dos EUA aplicou sanções a Alexandre de Moraes e revogou vistos de familiares e aliados do magistrado, ampliando a tensão diplomática. Washington também investiga supostas práticas comerciais brasileiras que prejudicariam empresas norte-americanas no setor digital e de pagamentos.
Similaridades entre Trump e Bolsonaro
Segundo Luciana Veiga, professora de Ciência Política da UNIRIO, o apoio de Trump a Bolsonaro se explica por uma empatia percebida entre os dois líderes, ambos acusados de tentar reverter resultados eleitorais e de incitar apoiadores a invadir prédios públicos. Ela destaca que Trump pode se imaginar em situação semelhante caso a Justiça americana atuasse como a brasileira.
Steven Levitsky, professor da Universidade de Harvard, reforça que a atuação do governo americano contra o Brasil é mais “personalizada, desinformada e arbitrária” do que políticas de Estado tradicionais, configurando um tipo de intimidação que mina o processo democrático brasileiro.
Impactos domésticos e opinião pública
A interferência de Trump, segundo especialistas, teve efeitos mais negativos do que positivos para Bolsonaro no cenário interno. Pesquisa Genial/Quaest de agosto indica aumento na percepção de envolvimento do ex-presidente na tentativa de golpe: 52% dos brasileiros consideram sua participação, contra 47% em dezembro de 2024.
Além disso, 55% da população apoia a prisão domiciliar de Bolsonaro, enquanto 39% consideram a medida injusta. O episódio reforça uma narrativa crítica contra o ex-presidente, especialmente após a divulgação de áudios e mensagens trocadas entre Bolsonaro, seu filho e aliados sobre tarifas americanas e possíveis projetos de anistia.
Possíveis consequências de uma condenação
Cientistas políticos consultados avaliam alta probabilidade de condenação de Bolsonaro e demais réus, com dúvidas apenas sobre o tamanho da pena e o placar de votos no STF. Caso isso se confirme, novas sanções americanas podem ser impostas, incluindo aumento de tarifas e aplicação da Lei Magnitsky contra outros membros do governo ou do Judiciário brasileiro.
Existe, ainda, a possibilidade de indulto presidencial em um futuro governo, caso a pressão dos EUA se mantenha até 2026. A medida dependeria da prerrogativa do próximo presidente e poderia alterar a situação legal de Bolsonaro e aliados. Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente, já mencionou publicamente que o STF deveria respeitar eventual indulto.
Cenário eleitoral e repercussão política
As eleições de 2026 ainda estão distantes, mas pesquisas apontam cenários competitivos envolvendo representantes bolsonaristas. Pesquisa AtlasIntel/Bloomberg, de agosto, indica Lula liderando com 44,1% das intenções de voto, contra 31,8% do ex-ministro Tarcísio de Freitas, considerado um potencial candidato de centro-direita.
Especialistas destacam que a opinião pública, especialmente eleitores de centro e de esquerda, já demonstra distanciamento de Bolsonaro, enquanto a base fiel mantém apoio, independentemente das evidências e das pressões internacionais.