Ministro classificou violação como episódio isolado, mas reafirmou que reincidência resultará em prisão preventiva. Caso ocorre em meio à tensão diplomática com os EUA, agravada por declarações de Donald Trump
Moraes sustenta cautelares e vê uso indireto de redes sociais
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu manter as medidas cautelares impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, mesmo após identificar que ele violou a proibição de uso de redes sociais. A decisão foi tomada nesta quinta-feira (24), no contexto da Ação Penal 2.668, na qual Bolsonaro é acusado de coação, tentativa de obstrução à Justiça e incitação à interferência estrangeira.
Segundo Moraes, ficou comprovado que o perfil do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente e também investigado, foi utilizado para divulgar um discurso de Jair Bolsonaro logo após sua gravação. Para o relator, essa conduta caracteriza uma tentativa deliberada de burlar a decisão judicial. “Não se pode permitir o uso de redes de terceiros para manter práticas já proibidas por decisão desta Corte”, escreveu.
Ainda assim, o ministro avaliou o episódio como uma “irregularidade isolada” e decidiu não converter as sanções em prisão preventiva — por ora. Moraes ressaltou, no entanto, que uma nova infração levará à detenção imediata, com base no artigo 312 do Código de Processo Penal.
Regras continuam válidas: tornozeleira, recolhimento e veto a contatos
As restrições impostas ao ex-presidente incluem a proibição de utilizar redes sociais, direta ou indiretamente, além do recolhimento domiciliar noturno entre 19h e 6h em dias úteis e integral aos finais de semana e feriados. Bolsonaro também está proibido de manter contato com outros investigados, embaixadores ou autoridades estrangeiras, e é monitorado por tornozeleira eletrônica.
As medidas foram referendadas pela Primeira Turma do STF em sessão virtual extraordinária entre 18 e 21 de julho, após requerimento da Polícia Federal (PF) e parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Estratégia de disseminação digital é alvo do Supremo
Moraes destacou em sua decisão que Bolsonaro não está impedido de conceder entrevistas ou se manifestar publicamente, desde que respeite as restrições de horário. O problema, segundo o ministro, está na estratégia de “pré-fabricação” de conteúdos para posterior disseminação por redes coordenadas, o que, segundo ele, remete a práticas já utilizadas por “milícias digitais”.
“Permitir essa dinâmica seria o mesmo que permitir lavagem de dinheiro por meio de contas de terceiros”, comparou Moraes. A Corte já condenou réus por integrarem esquemas de desinformação voltados ao ataque das instituições democráticas.
Investigação envolve pressão sobre autoridades dos EUA
A Polícia Federal sustenta que Bolsonaro e Eduardo atuaram deliberadamente para pressionar autoridades norte-americanas a interferirem no funcionamento do Judiciário brasileiro, sob o pretexto de perseguição política. Segundo a corporação, ambos teriam solicitado sanções contra agentes públicos do Brasil, especialmente em relação à Ação Penal 2.668.
Essa articulação, considerada “dolosa e consciente” pelos investigadores, teria como objetivo coagir o STF e prejudicar a condução das investigações. Mandados de busca e apreensão já foram cumpridos em residências ligadas ao ex-presidente e ao Partido Liberal.
Declarações de Trump acentuam crise diplomática
O caso ganhou contornos diplomáticos após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enviar uma carta a Bolsonaro em 17 de julho com críticas contundentes ao STF. “Este julgamento deve terminar imediatamente!”, escreveu Trump, alegando que o ex-presidente brasileiro estaria sendo perseguido por um sistema judicial injusto.
Antes disso, Trump já havia anunciado, no dia 9 de julho, a imposição de uma sobretaxa de 50% sobre as exportações brasileiras a partir de 1º de agosto. Na carta enviada ao presidente Lula, o republicano justificou a medida como resposta à “perseguição política” a Bolsonaro, além de criticar as barreiras comerciais mantidas pelo Brasil contra produtos dos EUA.
A argumentação não é reconhecida pelo governo brasileiro, que lembra que os EUA acumularam superávit de US$ 43 bilhões na balança comercial com o Brasil nos últimos dez anos, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Bolsonaro diz que não busca asilo
Em declarações à imprensa, Bolsonaro negou que tenha cogitado buscar refúgio em embaixadas estrangeiras. “Nunca pensei em sair do Brasil ou buscar asilo. Essa investigação tem viés político”, afirmou, ao comentar a nova operação da Polícia Federal.
Apesar do discurso conciliador, o ex-presidente segue no centro de uma crise judicial e diplomática sem precedentes, que coloca em xeque a relação entre os Três Poderes e pode afetar diretamente as relações bilaterais com os Estados Unidos.
( Com BBC NEWS BRASIL )