Relatório enviado ao STF indica que ex-presidente recebeu diretamente os produtos de ações clandestinas; Carlos Bolsonaro e Ramagem também são citados
A Polícia Federal (PF) identificou o ex-presidente Jair Bolsonaro como o principal destinatário das informações coletadas por meio de ações clandestinas promovidas pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), durante sua gestão. A conclusão consta no relatório final da investigação sobre a chamada “Abin paralela”, entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo o documento, Bolsonaro foi o maior beneficiário da estrutura de espionagem montada na agência, à época dirigida por Alexandre Ramagem. “Jair Messias Bolsonaro figura como o principal destinatário do produto das ações clandestinas e da instrumentalização da Abin”, destaca o texto, que menciona anotações feitas pelo então diretor da agência.
Documentos reforçam ligação com Bolsonaro
Entre os materiais analisados pela PF estão documentos encontrados em poder de Ramagem, com títulos como “Bom dia Presidente” e “PR Presidente”, que, de acordo com os investigadores, eram destinados ao chefe do Executivo. Na última semana, durante interrogatório no STF, Ramagem negou ter encaminhado esses relatórios a qualquer pessoa. No entanto, a PF avalia que as evidências reforçam a participação direta de Bolsonaro nas atividades ilícitas realizadas na Abin.
“A análise das provas corrobora a participação do então Presidente da República nas ações delituosas praticadas no âmbito da Abin”, afirma o relatório.
Objetivo político e ataque a adversários
A Polícia Federal aponta ainda que o esquema tinha como finalidade obter vantagens políticas para o núcleo próximo ao ex-presidente. “As ações clandestinas eram direcionadas ao interesse desse núcleo, com ataques a adversários políticos e ao sistema eleitoral, entre outros alvos”, afirma a corporação.
Embora Bolsonaro seja citado como envolvido, ele não figura na lista de indiciados nesta investigação específica. Isso porque já responde por acusações semelhantes no âmbito da ação penal que apura a tentativa de golpe de Estado, também em andamento no STF.
Carlos Bolsonaro idealizou estrutura de espionagem, diz PF
O relatório, com 1.125 páginas, também destaca o papel central do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) na concepção da estrutura de inteligência paralela. Segundo os investigadores, o filho do ex-presidente foi o idealizador do esquema e beneficiário direto das informações obtidas ilegalmente, incluindo dados sobre investigações que poderiam afetar o núcleo político e familiar.
“Carlos Bolsonaro figura no cerne das ações delituosas da organização criminosa e foi o idealizador da ‘inteligência paralela’, composta por um delegado e três agentes, por não confiar nas estruturas oficiais”, aponta o documento.
A PF afirma ainda que Carlos era o destinatário final ou o responsável por direcionar as informações geradas pela estrutura clandestina.
Indiciamentos e novos desdobramentos
Nesta terça-feira (17), a Polícia Federal confirmou formalmente o envolvimento de Jair Bolsonaro no caso e anunciou o indiciamento de Carlos Bolsonaro e do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), atual parlamentar e ex-diretor da Abin.
A investigação teve início após reportagem publicada pelo jornal O Globo, em março de 2023, que revelou a aquisição, por parte da Abin, de um sistema de monitoramento para rastrear a localização de alvos em todo o território nacional.
Ao todo, 36 pessoas foram indiciadas na investigação. Entre os nomes estão também integrantes da atual gestão da Abin, como o diretor-geral Luiz Fernando Corrêa, o chefe de gabinete Luiz Carlos Nóbrega e o corregedor-geral José Fernando Chuy. Todos são delegados de carreira da PF, atualmente nomeados para cargos na agência durante o governo Lula.
A Abin, procurada para comentar o relatório, não se manifestou. O sigilo do documento foi retirado nesta quarta-feira (18), por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF.