Governador de São Paulo presta depoimento como testemunha de defesa no processo contra o ex-presidente
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta sexta-feira (30), que nunca teve ciência de articulações golpistas envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A declaração foi dada em depoimento como testemunha de defesa no processo que investiga uma suposta tentativa de ruptura institucional após a derrota de Bolsonaro para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022.
Ex-ministro da Infraestrutura no governo Bolsonaro, Tarcísio relatou ter visitado o então presidente cinco vezes no Palácio da Alvorada entre novembro e dezembro de 2022, período em que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), teriam ocorrido reuniões para discutir uma possível intervenção militar.
“Jamais tive conhecimento de qualquer intenção de golpe. Nunca houve esse tipo de conversa, nem quando fui ministro, nem nas visitas ao presidente após a eleição”, afirmou o governador, segundo reportou o portal G1. “Encontrei um presidente triste, resignado. Esse tema nunca foi abordado”, completou, ao responder perguntas da defesa de Bolsonaro.
A oitiva durou menos de dez minutos. Nem o procurador-geral da República, Paulo Gonet, nem o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF, fizeram questionamentos.
Testemunho de lealdade em meio a cenário eleitoral indefinido
A participação de Tarcísio como testemunha de defesa foi interpretada por analistas como um gesto de fidelidade ao ex-presidente e uma tentativa de manter o apoio do eleitorado bolsonarista, em meio às incertezas sobre a candidatura presidencial da direita em 2026. Embora inelegível por decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro afirma que pretende disputar novamente o Planalto, o que complica o avanço de outros nomes do campo conservador.
Tarcísio, por sua vez, diz publicamente que deseja buscar a reeleição em São Paulo. No entanto, permanece entre os principais cotados para assumir a liderança da direita caso Bolsonaro esteja definitivamente fora da disputa.
“O governador ainda não demonstra segurança sobre uma candidatura presidencial, mas parece reconhecer a centralidade de Bolsonaro para qualquer projeto competitivo da direita”, avalia Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria. “Mesmo inelegível, Bolsonaro é uma peça-chave e dificilmente uma campanha viável à direita se sustentaria sem alguma aliança com ele.”
Para Antonio Lavareda, do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), o gesto de Tarcísio fortalece sua imagem entre os eleitores bolsonaristas. “Há uma simbologia de solidariedade e lealdade. Isso deve aumentar o prestígio de Tarcísio junto à base do ex-presidente e à própria família Bolsonaro”, afirma.
Defesa prévia nas redes sociais e encontros com Bolsonaro
A tentativa de desqualificar a acusação de golpe já havia sido feita por Tarcísio em novembro de 2023, quando a Polícia Federal indiciou Bolsonaro. Na ocasião, ele classificou a narrativa como “sem provas” e disse que o ex-presidente respeitou o resultado das urnas e a posse de Lula.
Embora já fora do governo federal desde março de 2022, quando deixou o Ministério da Infraestrutura para disputar o governo paulista, Tarcísio manteve interlocução com Bolsonaro no fim daquele ano. Os encontros ocorreram nos dias 15 e 19 de novembro, e 10, 14 e 15 de dezembro de 2022, segundo o próprio governador.
A Polícia Federal identificou que um dos encontros, em 19 de novembro, coincide com o dia em que Bolsonaro teria se reunido com Filipe Martins, assessor internacional, para discutir o esboço do chamado “plano de golpe”. Essa versão consta no relatório da PF que inclui informações de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e hoje colaborador da investigação.
No entanto, Tarcísio afirmou que suas conversas com o ex-presidente tratavam exclusivamente da montagem do governo paulista. “Falamos sobre a formação do secretariado, ele se mostrou preocupado em transmitir sua experiência e em contribuir para que eu acertasse nas escolhas”, relatou ao STF, conforme publicado pela Folha de S.Paulo.
Analistas apontam riscos e dilemas na corrida presidencial
Apesar de seu nome figurar como uma das opções mais fortes da direita para 2026, Tarcísio enfrenta desafios para viabilizar sua candidatura ao Planalto. Um dos principais obstáculos é a insistência de Bolsonaro em se manter como candidato, mesmo inelegível, o que dificulta a construção de uma candidatura alternativa sem o risco de confronto direto com o ex-presidente.
Outro fator é o custo político de uma eventual renúncia ao governo paulista. Para disputar a presidência, Tarcísio precisaria deixar o cargo até abril de 2026, o que implica definir antecipadamente sua sucessão no estado.
“Ele precisa organizar um plano político robusto e um sucessor confiável. Além disso, abrir mão da reeleição, que hoje parece viável, é uma decisão arriscada frente à incerteza da eleição nacional”, pondera Cortez.
Lavareda concorda: “Se o nome de Tarcísio não estiver consolidado até dezembro de 2025, dificilmente ele conseguirá viabilizar sua candidatura. Mas Bolsonaro deve repetir a estratégia de Lula em 2018: manter-se como candidato até o limite do calendário.”
Papel de Bolsonaro na eleição de 2026 segue central, mesmo sob risco de prisão
Caso seja condenado por tentativa de golpe com pena superior a oito anos, Bolsonaro pode ser submetido ao regime fechado. No entanto, Lavareda acredita que o ex-presidente provavelmente cumpriria pena em casa, devido a condições de saúde, a exemplo do que ocorreu com Fernando Collor.
Mesmo eventualmente preso, os analistas apontam que Bolsonaro continuará exercendo influência na corrida presidencial. Para Cortez, é provável que o petismo use a rejeição ao ex-presidente como estratégia eleitoral, associando candidatos bolsonaristas a uma figura desgastada perante parte do eleitorado.
“A eleição de 2026 tende a ser polarizada novamente. E, mesmo sem estar na urna, Bolsonaro será um protagonista — quer como inspiração, quer como alvo político”, conclui o cientista.
( Com BBC NEWS BRASIL )
