Ministro do STF divergiu sobre dosimetria e tipificação penal, oferecendo novos argumentos à equipe jurídica do ex-presidente.
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (26) a favor do recebimento da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete aliados por tentativa de golpe de Estado. Apesar de integrar a decisão unânime da Primeira Turma que tornou o grupo réu, Fux divergiu de pontos-chave da maioria e acabou fornecendo à defesa argumentos que poderão ser explorados ao longo do processo.
Ao acolher a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), Fux manifestou discordância sobre a forma como as provas foram interpretadas e sobre a dosimetria das penas aplicadas em casos semelhantes — como os dos envolvidos na invasão dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Também questionou a separação entre os delitos de “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” e “golpe de Estado”, considerados por ele como sobrepostos.
O voto foi bem recebido pelos advogados de Bolsonaro. “O ministro fez um posicionamento absolutamente correto, não só sobre a dosimetria, mas principalmente sobre a questão dos dois delitos que estão sendo imputados”, afirmou Celso Vilardi, responsável pela defesa do ex-presidente.
Divergência técnica e impacto político
Durante o julgamento, Fux citou o caso de Débora Rodrigues dos Santos — mulher condenada por pichar a frase “Perdeu, mané” na estátua A Justiça, em frente ao STF, no dia da invasão. A análise do caso, relatado pelo próprio ministro, foi interrompida por pedido de vista feito por ele na última segunda-feira (24). A mulher foi sentenciada por outros ministros a 14 anos de prisão, com base nos mesmos fundamentos que vêm norteando os julgamentos do 8 de Janeiro.
Fux sinalizou que pretende revisar os critérios de dosimetria adotados nesses casos, o que representa um respiro para os réus. “Existe esse conjunto de crimes contra o Estado democrático de Direito, [em que] dois tipos são previstos no mesmo tipo”, disse o ministro, ao afirmar que o Código Penal oferece um “mostruário” ao juiz, cabendo-lhe identificar o tipo penal mais adequado ao caso concreto.
As declarações vão ao encontro de uma das principais linhas de argumentação da defesa, que contesta a acumulação das tipificações penais — particularmente a simultânea imputação de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito, o que, segundo advogados, representaria bis in idem (dupla punição pelo mesmo ato).
Fux também questionou a competência da Primeira Turma do STF para julgar todos os réus, observando que parte deles não possui foro privilegiado. Caso o julgamento permaneça na Suprema Corte, o ministro defendeu que seja realizado pelo plenário, com a participação dos 11 ministros.
Especialistas ouvidos pela revista IstoÉ avaliam que a divergência de Fux pode reforçar pedidos para levar o julgamento ao plenário, embora reconheçam que as chances de mudança ainda são limitadas neste momento.
Réus e próximos passos
Além de Bolsonaro, tornaram-se réus:
- Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
- Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF;
- Augusto Heleno, general da reserva e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da República;
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
- Walter Braga Netto, general da reserva e ex-ministro da Casa Civil.
Os oito são apontados pela PGR como integrantes do núcleo central de um plano para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito em 2022. A pena somada pelos crimes de que são acusados pode chegar a 43 anos de prisão.
Com o recebimento da denúncia, o processo avança agora para a fase de instrução, com coleta de provas, depoimentos de testemunhas e oitiva dos réus. A expectativa é que o julgamento ocorra entre setembro e outubro, na Primeira Turma do STF.