Visita de Modi a Pequim reforça incertezas sobre futuro da relação estratégica entre Washington e Nova Délhi
Índia em destaque na posse de Trump, mas cenário muda rapidamente
Em janeiro, o ministro das Relações Exteriores da Índia foi presença de destaque na primeira fila da posse de Donald Trump, gesto interpretado como sinal da crescente proximidade entre Washington e Nova Délhi. Poucos meses depois, no entanto, o presidente americano lamenta publicamente uma guinada: “Parece que perdemos a Índia e a Rússia para a China mais profunda e sombria”, escreveu na rede Truth Social, ao compartilhar foto de Narendra Modi, Vladimir Putin e Xi Jinping reunidos em Pequim.
O comentário representou um raro reconhecimento de que a diplomacia agressiva adotada por Trump, marcada também por tarifas comerciais, pode ter produzido efeitos inesperados. O grupo liderado inicialmente por China e Rússia, e ampliado por Coreia do Norte e Irã, agora pode contar, ainda que de forma circunstancial, com a presença da Índia.
Modi em Pequim e os sinais a Washington
A viagem de Modi à China, a primeira em sete anos, levantou dúvidas sobre uma mudança de alinhamento ou apenas um recado estratégico à Casa Branca. Especialistas lembram que a Índia, durante a Guerra Fria, foi um dos pilares do movimento dos países não alinhados, acostumada a equilibrar sua posição entre potências rivais.
Apesar da publicação crítica, Trump buscou suavizar o tom mais tarde. “Sempre serei amigo de Modi. Ele é ótimo. Só não gosto do que ele está fazendo neste momento específico”, declarou no Salão Oval, minimizando o atrito.
Tarifas, Paquistão e tensões acumuladas
As críticas indianas à relação com os EUA não são novas. Trump irritou Nova Délhi ao afirmar ter “resolvido” a tensão militar entre Índia e Paquistão, interferência rejeitada pelos indianos. Além disso, impôs tarifas pesadas contra o país como resposta à compra de petróleo russo, medida vista como punitiva e injusta, já que a China importa volumes muito maiores sem sofrer sanções semelhantes.
Para Joshua White, professor da Universidade Johns Hopkins, a estratégia de encurralar aliados pode trazer ganhos imediatos, mas gera “cicatrizes duradouras” em relações fundamentais.
Aproximação multilateral com a China
A cena mais simbólica ocorreu na reunião da Organização de Cooperação de Xangai, na China. Modi, rindo ao lado de Putin e Xi, conversou longamente com o presidente russo em sua limusine. O encontro também reuniu líderes do Egito, Turquia e Vietnã — todos afetados por tarifas americanas e parceiros relevantes de Washington.
Trump já havia adotado postura semelhante contra Brasil e África do Sul, ampliando o risco de afastar países historicamente próximos dos EUA.
Reconfiguração do poder global
Analistas veem nesse movimento um alerta para Washington. Ex-assessores do governo Biden, Kurt Campbell e Jake Sullivan, escreveram na revista Foreign Affairs que tensões mal administradas podem “empurrar a Índia diretamente para os braços de seus adversários”, com prejuízos irreversíveis para ambos os lados.
A herança colonial britânica também contribui para a resistência indiana a qualquer forma de coerção externa, como observou Shashi Tharoor, do Congresso Nacional Indiano.
“Os EUA não perderam realmente a Índia”
Apesar do momento delicado, Rajesh Rajagopalan, professor da Universidade Jawaharlal Nehru, considera improvável uma guinada definitiva de Nova Délhi em direção à China: “A Índia está interessada em manter proximidade com os EUA. Se Trump quiser a Índia, ele pode tê-la de volta”.
( The Washinton Post )