Medida eleva tensão diplomática, ameaça exportações de petróleo venezuelano e levanta questionamentos legais sobre a autoridade presidencial americana
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, determinou nesta terça-feira (16) o bloqueio “total e completo” de todos os petroleiros sancionados que entrem ou saiam da Venezuela. A decisão representa um novo e significativo avanço na estratégia de pressão da Casa Branca contra o governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e aprofunda o clima de tensão entre os dois países.
Em publicação na rede social Truth Social, Trump afirmou que a Venezuela estaria “cercada” pela “maior armada já reunida na história da América do Sul”, ressaltando que a operação militar “continuará a crescer” até que o país devolva aos Estados Unidos “todo o petróleo, terras e outros bens que nos roubaram anteriormente”.
Escalada militar no Caribe
O anúncio formaliza um cerco naval em meio a uma ampliação das operações militares norte-americanas em águas internacionais do Mar do Caribe. Oficialmente, as ações têm sido justificadas como parte do combate a organizações ligadas ao narcotráfico que atuam na região, mas analistas apontam que a ofensiva ganhou contornos claramente geopolíticos.
Ainda não está claro como o bloqueio será implementado nem se o governo americano recorrerá à Guarda Costeira para interceptar embarcações, como ocorreu na semana passada. Apesar de muitos navios que operam com petróleo venezuelano estarem sob sanções, parte da frota internacional segue autorizada a transportar cargas do país, incluindo embarcações que levam petróleo bruto do Irã e da Rússia.
Empresas com autorizações específicas, como a norte-americana Chevron, continuam operando na Venezuela. Em nota, um porta-voz da companhia afirmou que as atividades seguem “sem interrupções e em total conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis”.
Impacto nas exportações e no mercado global
A China permanece como o principal destino do petróleo venezuelano, respondendo por cerca de 4% das importações chinesas. Analistas estimam que, em dezembro, os embarques tenham superado a média de 600 mil barris por dia.
Na mensagem publicada, Trump acusou o governo Maduro de utilizar recursos do setor petrolífero para financiar “narcoterrorismo, tráfico de pessoas, assassinatos e sequestros”. O presidente americano, no entanto, não detalhou a quais áreas ou ativos se referia. A indústria petrolífera da Venezuela foi nacionalizada nos anos 1970 e, posteriormente, durante o governo de Hugo Chávez, empresas estrangeiras passaram a dividir o controle com a estatal PDVSA.
O governo venezuelano reagiu com críticas duras, afirmando que o anúncio tem como objetivo “roubar as riquezas que pertencem à nossa pátria”.
Apreensão de navio e endurecimento das sanções
Na semana anterior ao anúncio, o Comando Sul dos Estados Unidos apreendeu o petroleiro Skipper em águas próximas à costa venezuelana. O navio, sancionado desde 2022 por supostos vínculos com uma “frota fantasma”, foi levado a um porto americano para início de um processo legal de confisco da carga.
A operação agravou o desgaste diplomático e contribuiu para a redução das remessas de petróleo venezuelano. Washington também anunciou sanções contra seis empresas de transporte marítimo e seis navios-tanque.
Isolada no cenário internacional, a Venezuela tem recorrido a embarcações não convencionais para escoar sua produção, frequentemente vendida com grande desconto em relação ao preço de mercado, como forma de driblar restrições financeiras.
“Ameaça grotesca”, diz Caracas
O bloqueio foi classificado pelo governo venezuelano como “irracional” e uma “ameaça grotesca”. Em comunicado oficial, Caracas acusou Trump de tentar impor um bloqueio naval militar em violação ao direito internacional, ao livre comércio e à liberdade de navegação.
Segundo dados da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), a Venezuela possui cerca de 303 bilhões de barris em reservas comprovadas, o maior volume do mundo.
Riscos econômicos para a Venezuela
Especialistas avaliam que um bloqueio efetivo aos portos venezuelanos pode provocar sérias dificuldades econômicas. Francisco Monaldi, diretor do Programa de Energia da América Latina do Instituto Baker, afirmou que a inclusão direta de empresas e embarcações em listas de sanções representa “uma escalada muito significativa”.
Segundo ele, os Estados Unidos aguardam a saída dos navios atualmente atracados para impedir novas operações, o que pode provocar queda no volume exportado e pressionar os preços. Como a Venezuela tem capacidade limitada de armazenamento, a interrupção das exportações pode forçar a redução ou paralisação da produção.
Elias Ferrer, da consultoria Orinoco Research, alertou que a ausência de receitas do petróleo afetaria o câmbio, as importações e poderia levar a uma crise econômica severa, com risco de escassez de alimentos e medicamentos.
Questionamentos legais e reação política
A medida também levanta dúvidas jurídicas. Para a especialista em direito internacional Elena Chachko, da Universidade da Califórnia em Berkeley, o bloqueio representa um novo teste aos limites da autoridade presidencial. Segundo ela, bloqueios são tradicionalmente considerados instrumentos de guerra e só são permitidos sob condições rigorosas.
No Congresso americano, o deputado democrata Joaquin Castro classificou a decisão como “um ato de guerra não autorizado” e afirmou que a iniciativa não conta com respaldo do Legislativo nem da população.
Desde a apreensão do petroleiro na semana passada, as exportações venezuelanas de petróleo despencaram, cenário agravado por um ataque cibernético que afetou os sistemas administrativos da PDVSA. No curto prazo, o mercado global segue abastecido, mas analistas alertam que, se o bloqueio persistir, a retirada de quase um milhão de barris diários da oferta pode pressionar os preços internacionais do petróleo.



