Ao tentar proteger a indústria dos EUA, políticas comerciais de Trump acabam prejudicando empresas que dependem de insumos importados e cadeias globais de produção
Medidas para proteger a indústria dos EUA levam empresas a terceirizar produção
A Misco, empresa familiar do Minnesota que fabrica alto-falantes há 75 anos, é o tipo de negócio que o presidente Donald Trump promete proteger com suas tarifas comerciais. Mas, na prática, foi justamente por causa dessas tarifas que Dan Digre, dono da empresa, se viu obrigado a terceirizar parte da produção para a China. O motivo: o aumento nos custos de peças importadas tornou inviável continuar produzindo nos Estados Unidos.
Desde 2018, quando Trump começou a aplicar tarifas pesadas sobre produtos chineses, a ideia era clara — forçar o consumo de produtos nacionais e estimular a reindustrialização. Porém, para empresas como a Misco, que dependem de componentes vindos da China, o efeito tem sido o oposto: alta nos custos, perda de competitividade e deslocamento da produção para o exterior.
Digre afirma que paga hoje uma tarifa de 55% sobre insumos essenciais vindos da China, valor que não incide sobre alto-falantes prontos importados do próprio país asiático ou do Vietnã. “Começamos com uma desvantagem de 55% no custo de materiais”, declarou. Sem alternativas competitivas, a empresa agora fabrica alto-falantes na China e os envia diretamente ao Canadá, contornando os EUA.
Estratégia sem foco prejudica pequenas e médias indústrias
O caso da Misco não é isolado. A política de tarifas tem afetado diversos setores que dependem de peças e matérias-primas importadas. A administração Trump impôs taxas sobre uma ampla gama de produtos — de bananas e camisetas a robôs e máquinas industriais — sem considerar se há produção local ou possibilidade real de desenvolvê-la.
O resultado, segundo especialistas, é a penalização de setores exportadores e de alta tecnologia, como o de aviação e semicondutores, ao mesmo tempo em que oferece vantagens apenas pontuais a empresas voltadas ao mercado interno.
Para Brad Setser, do Conselho de Relações Exteriores, as tarifas atingem até matérias-primas fundamentais, como o aço, cujo custo interno é significativamente mais alto. Isso, segundo ele, eleva os preços e reduz o consumo, minando a base da indústria. “Há uma série de decisões mal pensadas que vão dificultar qualquer expansão real da indústria”, avaliou.
Indústria encolhe apesar de promessas de reindustrialização
Os dados mais recentes indicam que o setor industrial dos EUA não está reagindo como o esperado. Em junho, o país perdeu 11 mil empregos industriais — a segunda queda mensal consecutiva. Enquanto isso, investimentos em novas fábricas diminuíram, apesar de anúncios oficiais promissores.
Durante o governo Biden, os gastos com construção de plantas industriais dispararam, impulsionados por subsídios em setores estratégicos como energia limpa e semicondutores. Já a atual administração abandonou ou criticou essas iniciativas, apostando exclusivamente em tarifas.
Diane Swonk, economista da KPMG, alerta que os efeitos mais danosos ainda estão por vir: “Já estamos vendo os obstáculos crescerem”.
Casa Branca defende política e fala em crescimento histórico
Apesar das críticas, o governo Trump mantém sua linha. Segundo Kush Desai, porta-voz da Casa Branca, as tarifas permitiram negociar acordos comerciais vantajosos e abriram novos mercados. Ele também destacou que a desregulamentação e os cortes de impostos promovidos pelo projeto “One Big Beautiful Bill” colocaram as empresas americanas em posição de crescimento sem precedentes.
Mas, na prática, a realidade é mais complexa. Embora algumas fábricas tenham conseguido competir melhor com importações chinesas, muitas outras — especialmente as que operam em cadeias globais — foram diretamente prejudicadas.
Proteção a setores estratégicos ou intervenção descoordenada?
A Charlotte Pipe, fabricante centenária de tubos e conexões na Carolina do Norte, é apontada como exemplo de setor que merece proteção. Segundo o vice-presidente Brad Muller, as fundições têm papel estratégico em tempos de guerra e dificilmente seriam reativadas após o fechamento. Ele reconhece, porém, que tarifas não são solução para tudo: “São um instrumento bruto, mas algumas indústrias precisam de proteção”.
Outras empresas discordam completamente. A Balsam Hill, que vende árvores de Natal artificiais, alega que acumulou dezenas de milhões de dólares em tarifas. O CEO Mac Harman teve que cortar funcionários, congelar salários e reduzir gastos. Ele diz que seus produtos “nunca foram fabricados nos EUA” e que é irreal esperar que o país produza artigos com tanta mão de obra detalhada.
Economistas pedem política industrial mais estratégica
Dani Rodrik, de Harvard, aponta que o problema não está na ideia de proteger a indústria, mas na forma como isso é feito. Segundo ele, aplicar tarifas generalizadas, sem distinção entre produtos estratégicos e não estratégicos, é um erro. “Se quisessem realmente trazer a manufatura de volta, estariam adotando uma política industrial muito mais direcionada.”
David Autor, do MIT, concorda que o momento é propício para medidas de fortalecimento da indústria, mas alerta: “A alternativa a não fazer nada não pode ser qualquer ideia aleatória.”
( Com The New York Times )