Café, carne bovina e frutas estão entre os produtos mais vulneráveis; em contrapartida, consumidor brasileiro pode ver queda nos preços
A imposição de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos, válida a partir de 6 de agosto, representa um novo desafio para o agronegócio nacional. Apesar das quase 700 exceções previstas no decreto assinado pelo ex-presidente Donald Trump, setores como café, carne bovina e frutas frescas estão entre os mais afetados, de acordo com análise do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/USP).
Embora o impacto imediato da medida seja negativo para exportadores, produtores e trabalhadores dessas cadeias produtivas, o reflexo nos preços internos pode representar um alívio ao bolso dos consumidores no Brasil. Isso porque, com a redução da demanda externa, a oferta no mercado interno tende a crescer, o que pode pressionar os preços para baixo. No entanto, especialistas alertam que os efeitos podem variar entre os diferentes produtos e não devem ser sentidos de forma imediata.
Café registra queda de preço, mas tarifa ainda não é a causa
Entre os produtos mais sensíveis à nova tarifa está o café. A prévia da inflação de julho, medida pelo IPCA-15, já indicou uma queda nos preços do produto – a primeira desde dezembro de 2023. No entanto, o Cepea aponta que não há evidências de que a retração esteja ligada diretamente ao anúncio da tarifa norte-americana.
“Não há, até o momento, indícios claros de que os valores internos estejam recuando exclusivamente em função da medida tarifária”, afirma nota da instituição.
Carlos Costa, Chief Commercial Officer da Hedgepoint, especialista em café como commodity há mais de uma década, ressalta que a queda nos preços se deve a múltiplos fatores, incluindo a valorização do real frente ao dólar e a redução nas cotações da Bolsa.
“Os nossos índices de inflação têm um certo atraso com relação ao preço. A gente teve, nos últimos 60, 90 dias, uma queda no preço ao redor de uns 30% na Bolsa. Junto com isso, a gente também tem que lembrar que o dólar caiu no Brasil. Então, se você tem um preço que caiu na Bolsa, mais uma queda do dólar, isso acaba ajudando”, explica.
Além disso, a colheita de uma safra mais robusta iniciada em junho aumentou a oferta no mercado interno, o que também contribuiu para o recuo nos preços.
Exportações seguem estáveis, mas incertezas persistem
Mesmo com a iminência do tarifaço, Costa observa que as exportações de café seguem em ritmo regular. “Eu pelo menos não ouvi entre os nossos clientes aqui, durante o mês, entre cooperativas, traders, exportadores de café em geral, eles dizendo que estão tendo embarques de café cancelados”, relata.
Para ele, os Estados Unidos, maiores consumidores mundiais da bebida, dificilmente conseguirão substituir o Brasil no curto prazo. No entanto, caso as tarifas se mantenham, parte da produção poderá perder competitividade no exterior, o que poderá gerar impactos mais visíveis nos preços internos nos próximos meses.
Carne bovina: cortes para hambúrguer podem baratear
Outro setor impactado pela decisão dos EUA é o da carne bovina. O Brasil exportou volumes expressivos do produto para o mercado norte-americano nos meses de março e abril. Para Thiago Bernardino, coordenador técnico de pecuária do Cepea, parte das empresas exportadoras antecipou os embarques, prevendo as possíveis barreiras comerciais anunciadas por Trump desde o início do ano.
Em junho e julho, os volumes destinados aos EUA recuaram, mas Bernardino ainda projeta um recorde nas exportações totais do país no mês de julho.
“Os dados divulgados na última segunda, são dados de exportação de carne bovina in natura até sexta passada, dia 25, mostram que se a gente continuar no ritmo, a gente está exportando mais de 12 mil toneladas por dia. Praticamente, em julho desse ano, a gente pode bater o recorde histórico de todos os meses da história”, afirma.
O economista destaca que o Brasil tem vantagem competitiva no cenário global, especialmente em um momento de baixa oferta mundial. “É o menor estoque de carne bovina dos últimos 20 anos”, diz.
Nos Estados Unidos, a principal demanda é por carne de menor valor agregado, usada principalmente no processamento de hambúrgueres. Por isso, caso os embarques diminuam, esses cortes podem se tornar mais abundantes no mercado brasileiro e sofrer reduções de preço.
Frutas frescas estão entre os setores mais vulneráveis
Entre os produtos mais sensíveis à nova tarifa estão também as frutas frescas, especialmente aquelas com janelas comerciais específicas para os EUA. A manga, cuja temporada de exportação tem início em agosto, já enfrenta incertezas. Segundo o Cepea, há relatos de adiamento de embarques por parte de exportadores.
Outra fruta que pode ser impactada é a uva, cuja safra tem importância estratégica para o mercado norte-americano a partir da segunda quinzena de setembro. A indefinição em torno das tarifas faz com que o setor opere com cautela.
Cenário desafiador exige estratégias de adaptação
Enquanto os exportadores de café contam com a dependência norte-americana e os pecuaristas se beneficiam da alta demanda global, setores como o de frutas frescas enfrentam um cenário mais incerto. A depender da evolução do tarifaço, o Brasil poderá precisar buscar novos mercados ou adotar estratégias de escoamento interno para evitar prejuízos mais amplos.
A complexidade das relações comerciais, somada à volatilidade cambial e à dinâmica do mercado internacional, exige atenção constante de produtores, analistas e autoridades.