Campbell nega favorecimento, e Noronha anuncia medidas para investigar suposto vazamento
A Polícia Federal apura se informações sigilosas de duas operações que tramitam no Superior Tribunal de Justiça (STJ) foram vazadas a partir de gabinetes de ministros da corte. A investigação teve início após a coleta de indícios em buscas e apreensões realizadas no mês passado e foi autorizada pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O material sob análise envolve os inquéritos das operações Maximus e Fames-19, sob relatoria dos ministros João Otávio de Noronha e Mauro Campbell, respectivamente. Os ministros não são alvo da investigação. Ambos os casos envolvem autoridades do Tocantins com prerrogativa de foro no STJ. A Operação Maximus apura suspeitas de venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça do Tocantins, enquanto a Fames-19 investiga possíveis desvios de recursos públicos durante a pandemia de Covid-19.
A investigação da PF busca esclarecer se houve vazamento de informações dessas operações a pessoas investigadas nos inquéritos. Um dos focos é o acesso indevido a documentos sigilosos por Thiago Barbosa de Carvalho, sobrinho do governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos). Thiago foi preso em março, quando atuava como assessor de um procurador de Justiça do estado, durante uma operação que incluiu busca e apreensão em sua sala.
Segundo documentos obtidos pela Folha, a PF encontrou no computador utilizado por Thiago arquivos relacionados às duas operações. A perícia constatou que o download do material ocorreu após a deflagração das ações, mas o equipamento foi apreendido para análise aprofundada. Em relatório, os policiais justificaram a medida destacando a necessidade de examinar metadados e verificar a existência de outros arquivos ligados às investigações.
O mandado de busca e apreensão teve como base uma conversa gravada em junho de 2024 entre Thiago e o desembargador Helvécio Maia, do Tribunal de Justiça do Tocantins, afastado na Operação Maximus. No diálogo, registrado no celular do magistrado e posteriormente acessado pela PF, Thiago afirma que tinha contato com pessoas em Brasília que “ficam aí 24 horas monitorando” investigações. Ele menciona ainda a existência de um inquérito conduzido pelo ministro Noronha e diz que receberia o material para “avisar” o desembargador.
Thiago também cita o inquérito nº 1.650, em trâmite sob sigilo no STJ sob relatoria do ministro Mauro Campbell. Ele afirma ter tido acesso integral ao procedimento e relata ter transferido os dados para um pen drive, que teria sido entregue ao governador Wanderlei Barbosa. As operações Maximus e Fames-19 foram deflagradas dois meses depois da conversa, em agosto de 2024.
Em seu pedido de investigação, a Polícia Federal classificou os trechos do diálogo como “falas preocupantes”, que sugerem a atuação de um “suposto organismo criminoso instalado em Brasília”. Segundo a PF, esse grupo seria formado por servidores públicos e lobistas com a função de monitorar e repassar, e possivelmente comercializar, informações sigilosas, inclusive sobre procedimentos que tramitam sob segredo de Justiça.
Em nota, o ministro João Otávio de Noronha afirmou desconhecer qualquer vazamento e informou que pedirá ao presidente do STJ a abertura de uma apuração interna “a fim de que o assunto seja esclarecido e eventuais pessoas envolvidas sejam responsabilizadas”.
Já o ministro Mauro Campbell, corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), declarou que não comentaria a investigação conduzida pelo STF. No entanto, esclareceu que, em junho de 2024, a defesa do governador já havia obtido acesso ao inquérito nº 1.650, e que esse procedimento não continha informações relevantes sobre diligências da Fames-19.
“A Operação Fames-19 foi autorizada em processo diverso. A defesa do governador tomou conhecimento das diligências apenas no momento do cumprimento da operação, em 21 de agosto”, disse Campbell. Ele acrescentou que, na ocasião, foram apreendidos “elementos de convicção relevantes” e valores em espécie, o que, segundo ele, comprova que os investigados não tiveram acesso prévio às ordens judiciais.
O governo do Tocantins informou que, desde abril de 2024, o governador Wanderlei Barbosa foi formalmente habilitado no inquérito da Fames-19, com acesso ao processo por meio dos trâmites legais. A gestão estadual nega qualquer acesso a informação privilegiada e afirma que o governador não é investigado no caso dos vazamentos.
As defesas de Thiago Barbosa e do desembargador Helvécio Maia foram procuradas, mas não se manifestaram até o fechamento desta edição.