STF avança em denúncia por golpe; Moraes, Dino e Fux votam contra Bolsonaro e militares aliados
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal formou maioria, nesta quarta-feira (26), para receber a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete investigados por participação no núcleo central da tentativa de golpe de Estado articulada em 2022.
Votaram até o momento os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Luiz Fux, todos favoráveis à abertura da ação penal. Ainda restam os votos de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. A expectativa é de que o Supremo julgue o mérito do caso até o fim do ano, como forma de evitar que o processo interfira nas eleições presidenciais de 2026.
Com a eventual abertura do processo penal, Bolsonaro se tornaria réu por crimes contra a democracia, o que ampliaria a pressão política sobre o ex-presidente. O avanço do caso tem provocado divisões entre seus aliados, que discutem a possibilidade de antecipar a escolha de um nome alternativo para disputar a sucessão presidencial.
A denúncia, se acolhida integralmente, levará à abertura de ação penal contra os oito acusados por cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça, e deterioração de patrimônio tombado. As penas, somadas, podem chegar a 43 anos de prisão.
Além de Bolsonaro, serão réus, caso o Supremo mantenha a maioria atual: Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-diretor da Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Mauro Cid (ex-ajudante de ordens), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa).
Em seu voto, o relator Alexandre de Moraes afirmou haver “materialidade e indícios razoáveis” da atuação de Bolsonaro como líder da articulação golpista após a derrota nas urnas para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2022. Segundo o ministro, a denúncia descreve a construção de uma narrativa de desinformação coordenada pelo então presidente, com crescente hostilidade às instituições democráticas.
Moraes destacou episódios como a reunião com embaixadores em julho de 2022, na qual Bolsonaro questionou, sem apresentar provas, a lisura das urnas eletrônicas — episódio que resultou em sua inelegibilidade, conforme decisão posterior do Tribunal Superior Eleitoral. Também mencionou reunião com ministros em que foram discutidos cenários de ruptura institucional.
“A denúncia ressalta ainda que Jair Messias Bolsonaro tinha pleno conhecimento das ações da organização criminosa e destaca que, mesmo após a derrota, determinou que as Forças Armadas divulgassem nota para a manutenção das pessoas à frente dos quartéis”, afirmou Moraes.
O ministro também citou a chamada “minuta do golpe” encontrada com Mauro Cid, alegando que há provas de que Bolsonaro teve acesso ao documento. “Se ele analisou e não quis [dar o golpe], se analisou e quis, isso será no juízo de culpabilidade. Mas não há dúvida de que ele tinha conhecimento da minuta do golpe”, disse. “Chama-se como quiser: decretação de estado de sítio ou de defesa, cuja intervenção seria somente no TSE.”
Rebatendo a tese da defesa, que nega a intenção criminosa de Bolsonaro, Moraes sustentou que os autos demonstram o contrário. Ele ainda afirmou que, embora os acusados neguem autoria dos crimes, suas defesas reconhecem a gravidade dos atos de 8 de janeiro de 2023, quando houve a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília.
Imagens dos ataques, bem como registros de manifestações por intervenção militar após as eleições, foram exibidas pelo ministro como elementos de prova.
O julgamento da denúncia teve duração de dois dias e concentrou as atenções na Primeira Turma, que costuma atuar com menor visibilidade em comparação ao plenário do STF. O primeiro dia foi dedicado às sustentações orais, com meia hora para a PGR e duas horas para as defesas, além da análise de preliminares levantadas pelos advogados.
Os ministros rejeitaram, por maioria de 4 a 1, as cinco teses apresentadas pelas defesas. A principal delas pedia a anulação do acordo de delação premiada firmado pelo tenente-coronel Mauro Cid, considerado peça-chave na investigação conduzida pela PGR.
Embora o colegiado tenha mantido o acordo de colaboração, três ministros —Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin— indicaram que sua validade poderá ser reavaliada futuramente. Fux expressou reservas quanto à credibilidade das informações prestadas por Cid. “Este não é o momento próprio, mas vejo com muita reserva nove delações de um mesmo colaborador, cada hora apresentando uma novidade”, afirmou.
Outro ponto derrubado pela maioria foi o pedido de declaração de incompetência do STF para julgar o caso. Fux foi o único a divergir, mantendo a posição que já havia manifestado em 2023, quando o Supremo decidiu remeter parte das ações penais às turmas.
No segundo dia de julgamento, os ministros passaram à análise do mérito, avaliando se a denúncia apresenta elementos mínimos de autoria e materialidade para justificar a abertura da ação penal — etapa inicial de um processo criminal.
O acolhimento da denúncia marca um novo capítulo nas investigações sobre a tentativa de golpe, iniciadas em 2023 e intensificadas ao longo de 2024. A partir dessa fase, os acusados poderão apresentar provas, solicitar perícias e arrolar testemunhas, enquanto a PGR buscará comprovar a participação de cada um na articulação para subverter a ordem democrática.