O Brasil vê espaço para diálogo com os EUA e evita escalada de tensão: ‘Guerra comercial não faz bem a ninguém
Membros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva veem uma oportunidade para negociar com os Estados Unidos sobre a implementação de cotas ou outras propostas em relação às tarifas de 25% sobre aço e alumínio impostas pelo presidente Donald Trump, que estão previstas para entrar em vigor em 12 de março. Durante o primeiro mandato de Trump, os dois países chegaram a um acordo, e especialistas avaliam que o republicano está repetindo a estratégia de ameaça para obter concessões.
Com base nessa análise, o governo brasileiro adotou ontem uma postura de cautela, contrastando com a recente promessa de Lula de agir com “reciprocidade” caso Trump avance com as ameaças. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que essas tarifas não são direcionadas “contra o Brasil”, apesar de o país ser o segundo maior exportador de aço para os EUA.
“Estamos acompanhando para entender as minúcias da decisão e as implicações que isso terá. Não é uma decisão específica contra o Brasil, é uma medida genérica para o mundo todo. Estamos observando as respostas do México, China e Canadá”, disse Haddad, acrescentando uma crítica: “Medidas unilaterais como essa são contraproducentes para a economia global. A economia mundial perde com isso, com essa retração e desglobalização.”
Trump menciona o Brasil
Haddad disse desconhecer a disposição de Trump para negociar neste momento, lembrando que, em 2018, o republicano impôs uma tarifa que foi posteriormente revertida. O ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, garantiu que o Brasil não entrará em uma “guerra comercial”:
“Guerra comercial não beneficia ninguém. O Brasil não incentiva e não participará de nenhuma guerra comercial.”
Nos bastidores do governo brasileiro, acredita-se que todas as opções estão em aberto nas negociações com Washington, incluindo a criação de cotas, reciprocidade em relação ao aço e alumínio americanos, aumento de tarifas sobre produtos importados dos EUA e, na ausência de um acordo, uma ação na Organização Mundial do Comércio (OMC). Fontes indicam que o Brasil argumentará que suas exportações são principalmente de matérias-primas, mais caras para as indústrias americanas. A expectativa é que uma estratégia seja definida ainda esta semana, com a participação do Itamaraty e dos ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Segundo um decreto de Trump, a decisão de incluir o Brasil entre os países taxados se deveu à compra de aço chinês. “As amostras brasileiras de países com altos níveis de excesso de capacidade, especialmente a China, cresceram significativamente nos últimos anos, mais do que triplicando desde a implementação das cotas em 2018”. A China é o maior produtor de aço do mundo. No primeiro mandato, Trump impôs tarifas de 25% e 10% sobre aço e alumínio, respectivamente, mas, após pressão de empresários americanos, o Brasil foi excluído e entrou em um regime de cotas. O governo brasileiro espera que esse movimento se repita. Em 2024, os EUA importaram 6 milhões de toneladas de aço do Canadá, enquanto o Brasil ficou em segundo lugar, com 4,1 milhões de toneladas, seguido pelo México, com 3,2 milhões.
Os EUA têm superávit nesse comércio com o Brasil. Para o Instituto Aço Brasil, que representa as empresas do setor, as novas tarifas propostas invalidam o acordo de 2018. A entidade afirma que “não há possibilidade” de triangulação de produtos de aço de outros países através do Brasil para os EUA, como alegado por Trump. O Aço Brasil destaca que o país registra “aumento expressivo de importações de países que praticam concorrência desleal, especialmente a China”.
‘Tigre de papel’
No ano passado, as importações de aço pelo Brasil aumentaram 18,2%, para 5,9 milhões de toneladas, em comparação com 2023, enquanto as exportações caíram 18,1%, para 9,6 milhões de toneladas. Ao todo, as siderúrgicas brasileiras produziram 33,7 milhões de toneladas, um aumento de 5,3%. Flávio Roscoe, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), acredita que, devido à demanda americana por aço, o Brasil pode obter benefícios:
“Grande parte de nossas exportações são de produtos semi-elaborados, que são industrializados em empresas americanas, muitas delas afiliadas a companhias brasileiras.”
Em nota, a Associação Brasileira do Alumínio afirmou que “os efeitos imediatos para o Brasil serão sentidos primeiramente nas exportações e na dificuldade de acesso dos brasileiros ao mercado americano”. Evandro Carvalho, professor da FGV Direito Rio, acredita que o uso repetido de ameaças de tarifas por Trump como instrumento de pressão para obter acordos comerciais mais vantajosos para os EUA pode acabar trazendo prejuízos:
“Com o tempo, a estratégia de Trump será desgastada. Ele acabará se mostrando cada vez mais um ‘tigre de papel’. As pessoas entenderão que é assim que ele negocia, de uma forma bizarra, pouco diplomática e nada inteligente.”
No caso do México e do Canadá, por exemplo, Trump anunciou tarifas e depois estendeu o prazo. Carvalho observou que os países não devem cair na provocação de Trump:
“Os países estão estudando sua postura e avaliando como proceder quando for a sua vez. Trump prefere negociações bilaterais.”
Carvalho alerta que o Brasil precisa avaliar como serão as negociações entre EUA e China no caso do aço. Ele não descartou uma eventual composição entre os dois gigantes econômicos, o que mudaria o cenário geopolítico.
‘Estratégia de inundações’
Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da consultoria BMJ, lembra que a promessa de Trump de reindustrializar os EUA pode ter um efeito negativo na economia americana, aumentando a inflação. Ele ressalta que diversos estudos mostram que as tarifas sobre o aço no primeiro governo de Trump elevaram os custos das indústrias que dependem do aço e resultaram na eliminação de empregos. Barral também criticou o anúncio simultâneo de várias medidas:
“Com essa estratégia de inundação, de tomar várias decisões ao mesmo tempo, não há oposição imediata. No entanto, medidas judiciais questionando decretos do Executivo, principalmente por questões de constitucionalidade, estão aumentando.”
Tiago Feitosa, CEO da T2 Educação, instituição que prepara analistas do mercado financeiro, também prevê alta de preços, já que o aço é matéria-prima para vários produtos, de carros a eletrodomésticos:
“Inevitavelmente, esse aumento de preços será repassado ao consumidor americano na forma de inflação.”