Governo fluminense diz que ação contra o Comando Vermelho nos complexos do Alemão e da Penha teve mais de 100 fuzis apreendidos; especialistas apontam aumento no desvio e fabricação clandestina de armas
Uma megaoperação policial realizada nesta terça-feira (28) nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, terminou com 81 prisões e 64 mortes, segundo balanço divulgado pelo governo estadual. Outras 54 mortes ainda estão sob investigação, informou o governador Cláudio Castro (PL).
A ação mobilizou cerca de 2,5 mil policiais civis e militares e teve como alvo principal a facção Comando Vermelho, uma das mais antigas e estruturadas do país.
Mais de 100 fuzis apreendidos
Um dos pontos destacados pelo governo foi a apreensão de um grande número de fuzis. O balanço oficial aponta 93 armas desse tipo, mas Castro afirmou nas redes sociais que o número ultrapassa a centena.
“O Rio de Janeiro termina o dia com uma imagem que fala por si: mais de 100 fuzis apreendidos pelas Polícias Civil e Militar”, escreveu o governador ao divulgar fotos do arsenal.
O fuzil, segundo especialistas, é a principal arma usada por facções para impor domínio sobre territórios e enfrentar forças de segurança. Ele confere poder de fogo superior e permite disparos automáticos com alcance de até 500 metros, o que aumenta o risco em áreas densamente povoadas.
“O tipo de ferida que a bala de fuzil produz é muito mais grave, com menor chance de sobrevivência”, explica Natália Pollachi, diretora do Instituto Sou da Paz e coautora de um estudo sobre o tema.

Governador do RJ comemorou apreensão de fuzis em operação – Reprodução
Número de apreensões cresce no país
O estudo mencionado, conduzido pelos pesquisadores Bruno Langeani e Natália Pollachi, e publicado no Journal of Illicit Economies and Development, analisou apreensões de armas entre 2019 e 2023. O número de fuzis confiscados no Brasil saltou de 1.139 em 2019 para 1.650 em 2023, o maior da série histórica.
No Rio de Janeiro, foram 797 fuzis apreendidos em um único ano. Em todo o país, as forças de segurança registram mais de 100 mil armas apreendidas anualmente.
Os pesquisadores apontam três origens principais para os fuzis:
- Fabricados legalmente no Brasil e desviados para o crime;
- Importados de forma irregular;
- Produzidos clandestinamente, com peças nacionais ou importadas.
Legislação mais flexível e o desvio de armas
O estudo também relaciona o aumento das apreensões a mudanças na legislação durante o governo Jair Bolsonaro, que flexibilizaram o acesso a armamentos de uso restrito.
“Durante quatro anos foi permitido que pessoas registradas como CACs [Colecionadores, Atiradores e Caçadores] comprassem fuzis. Uma única pessoa podia comprar 30 armas”, diz Pollachi.
Essa facilidade teria alimentado o mercado ilegal. “Nem todo mundo tem acesso a um esquema de tráfico internacional, mas qualquer um tem um primo com o CPF limpo. É muito mais fácil cooptar um laranja do que participar de um esquema de tráfico”, acrescenta.
As regras foram revogadas em 2023, mas as armas adquiridas antes da mudança não precisaram ser devolvidas. O controle sobre os CACs também passou do Exército para a Polícia Federal, após uma auditoria do TCU apontar falhas graves de fiscalização.
Fuzis estrangeiros dominam o mercado ilegal
Levantamento da Polícia Militar do Rio mostra que 94,7% das armas apreendidas em 2024 foram fabricadas no exterior — 60% nos Estados Unidos, seguidos por Israel, Alemanha, Áustria e República Tcheca.
O governador Cláudio Castro defendeu maior atuação internacional no combate ao tráfico:
“É fundamental que a indústria produtora de armas participe do enfrentamento ao crime organizado, com controle sobre o destino dos armamentos e atuação conjunta com o governo federal”, afirmou.
Fabricantes norte-americanos como Colt e Armalite aparecem entre as marcas mais apreendidas no país. Uma das rotas conhecidas é a entrada legal de armas via Paraguai, que depois são contrabandeadas para o Brasil.
Em outros casos, como em 2017, a polícia apreendeu 60 fuzis no Aeroporto do Galeão, disfarçados em contêineres de aquecedores de piscina e enviados diretamente dos EUA.

Fabricação clandestina e kits de montagem
Parte das armas apreendidas não possui registro de origem. Segundo os pesquisadores, isso pode indicar produção clandestina ou falhas no registro policial.
A PM fluminense apurou que algumas armas chegam em peças avulsas, compradas por cerca de R$ 6 mil, e depois montadas e revendidas por até R$ 50 mil.
“Nos Estados Unidos, há kits vendidos com pouco controle, permitindo montar um fuzil sem número de série”, diz Pollachi. Um dos sites citados no estudo chegou a oferecer uma “promoção de Halloween” com kits por US$ 400 (R$ 2,1 mil).
Também há casos de produção artesanal com tecnologia avançada. Em agosto de 2024, a polícia encontrou uma fábrica clandestina em Santa Bárbara d’Oeste (SP), que se apresentava como indústria de peças aeronáuticas, mas fabricava armas com equipamentos industriais de alta precisão.
( Com BBC News Brasil )



