Alterações legais transferiram responsabilidade sobre operações de câmbio dos bancos para os clientes, anulando indícios de evasão de divisas e lavagem de dinheiro
Investigação da PF e Operação Colossus
Cinco instituições financeiras que estavam sob investigação da Polícia Federal (PF) por suposto envolvimento em esquema bilionário de evasão de divisas foram beneficiadas por mudanças recentes na legislação cambial. As operações suspeitas incluíam compras de criptoativos e lavagem de dinheiro, supostamente relacionadas a organizações criminosas como o Hezbollah e o Primeiro Comando da Capital (PCC). Os bancos apontados eram Master, Genial, Travelex Banco de Câmbio S/A, Santander e Haitong Banco de Investimento do Brasil S/A. Outros quatro bancos e uma corretora se recusaram a participar das operações e denunciaram o esquema às autoridades.
A investigação teve início em janeiro de 2020 e resultou na Operação Colossus, deflagrada em setembro de 2022. O inquérito da PF apontou “cegueira deliberada” das instituições frente a irregularidades de mercado e lavagem de dinheiro.
Mudança legal que anulou responsabilidades
A nova legislação cambial, aprovada em dezembro de 2021 e regulamentada em dezembro de 2022 pelo Banco Central (Resolução 277), transferiu a responsabilidade sobre a classificação das finalidades das operações de câmbio dos bancos para os clientes. Antes, desde 1962, a responsabilidade era compartilhada. Com a mudança, possíveis condutas ocorridas entre 2017 e 2022 deixaram de configurar crime, impedindo imputações penais aos bancos.
O projeto de lei foi enviado ao Congresso em 2019 pelo governo Bolsonaro e teve como relator o deputado Otto Alencar Filho (PSD-BA), que oficializou a transferência da responsabilidade para os clientes a pedido do Banco Central.
Posicionamento do Banco Central
Em nota, o BC destacou que a nova legislação visa responsabilizar as instituições pelo curso lícito das operações de câmbio, em vez de limitar sua atuação à análise documental. A regra exige que cada banco implemente avaliação interna de risco e controles de compliance para prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.
O BC reforçou que, apesar da mudança na classificação de finalidades, as instituições continuam obrigadas a identificar clientes, informar todas as operações e garantir o processamento legal das transações.
Buscas, quebras de sigilo e bloqueios
Durante a Operação Colossus, a PF obteve autorização judicial para revistar escritórios de três bancos e quebrar sigilos telemáticos de outros dois, além de extrair documentos e informar Banco Central e Receita Federal. Foram bloqueados até R$ 1,18 bilhão em contas, criptomoedas e bens de 20 pessoas e empresas. Entre os investigados estavam operadores de criptoativos ligados ao Hezbollah e ao PCC.
O empresário Dante Felipini, dono da Makes Exchange, foi condenado em 2025 a 17 anos e cinco meses de prisão por organização criminosa, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Ele foi absolvido da acusação de financiamento ao Hezbollah por falta de provas.
Conduta das instituições financeiras
Bancos investigados reforçaram que sempre colaboraram com as autoridades e negaram irregularidades:
- Genial afirmou ter fornecido integralmente toda a documentação solicitada e reportado operações suspeitas ao COAF.
- Travelex declarou atuar em conformidade com a legislação e adotar rigorosos controles internos.
- Master disse ter seguido todas as normas vigentes à época das operações e mantido diligência em procedimentos de compliance.
- Santander destacou que não é investigado atualmente e segue à disposição das autoridades.
- Haitong não se manifestou.
Fraudes em operações de câmbio e evasão de divisas
O esquema incluía registro de remessas como aumento de capital social, com alíquota menor de IOF, em vez da classificação correta para aquisição de criptoativos. A PF apontou indícios de gestão fraudulenta, alegando que algumas instituições tinham ciência da real finalidade das operações e fecharam os olhos para sinais de irregularidade.
Algumas instituições, como Itaú, UBS, Topazio, Braza Bank e Frente Corretora de Câmbio, recusaram-se a realizar operações suspeitas e denunciaram o esquema ao Coaf, evidenciando a diferença de postura entre os bancos.
Segurança e integridade do mercado de câmbio
O Banco Central reforçou que o Novo Marco Legal aumentou a responsabilidade das instituições na identificação de clientes e no processamento lícito de operações, consolidando regras de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. A mudança também modernizou a regulação, tornando o sistema mais seguro e compatível com a realidade econômica atual.
(Com Blog do Fausto Macedo/Estadão)