A trajetória de Karina Buchalla Lutkus, marcada por recusa, preconceito e persistência, culmina no posto mais alto da aviação comercial mundial
Uma trajetória construída na marra
“Nunca desistam dos sonhos”, diz Karina Buchalla Lutkus, 46, ao relembrar o caminho que a levou a se tornar a primeira brasileira a comandar um Airbus A380 na Emirates — o maior avião comercial em operação. O marco, alcançado em 27 de outubro, é o ápice de uma carreira que começou cheia de barreiras e tentativas de desestímulo. Filha de piloto, ela decidiu cedo que seguiria a mesma rota, mesmo quando poucas mulheres alcançavam a cabine de comando.
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Karina Buchalla Lutkus se tornou a primeira mulher brasileira a comandar um Airbus A380 — Foto: Arquivo pessoal
Apoio da família e o primeiro teste
Criada em São José do Rio Preto (SP), Karina conta que, aos 16 anos, o pai — então comandante da Varig — tentou convencê-la a mudar de ideia. Levou-a ao aeroclube, pediu ao instrutor que fizesse manobras radicais na tentativa de desanimá-la. O efeito foi o oposto: cada movimento reforçava sua certeza. A partir dali, recebeu do pai a orientação técnica e, da mãe, o suporte emocional necessário para avançar.
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Preconceito e portas fechadas
O início não foi simples. No curso de piloto privado, ouviu colegas afirmarem que aviação “não era coisa de mulher”. Mesmo assim, seguiu firme. Trabalhou em aerotáxi no interior paulista e em Cuiabá, muitas vezes sem salário, acumulando horas de voo para tentar uma vaga em grandes companhias.
Em 2001, chegou à etapa final de seleção na Varig, interrompida após os atentados de 11 de Setembro. No ano seguinte, foi aprovada na TAM, mas demitida na véspera do primeiro voo devido à suspensão emergencial de contratações após dois acidentes. Só anos depois voltou à empresa, quando finalmente conseguiu consolidar sua carreira.
Ascensão na aviação comercial
Na TAM, atuou como copiloto em diferentes aeronaves até ser promovida a comandante da frota Airbus 320. Depois de quase duas décadas no Brasil, decidiu perseguir um sonho antigo: voar para a Emirates. Mudou-se para Dubai em 2019 e iniciou o processo rigoroso que leva à função de comandante na companhia.
O caminho até a cabine esquerda
O programa de formação da Emirates é extenso, com avaliações contínuas em simulador, provas teóricas, entrevistas e sessões específicas de voo manual e emergência. Ao completar as horas e requisitos exigidos, Karina avançou para o curso de upgrade, com três meses de treinamento e cheques finais.
O momento da aprovação, relata, foi o mais marcante da carreira. “Quando o examinador me deu parabéns, tive certeza de que tinha conseguido. Foi indescritível.”
No comando do maior avião do mundo
Pilotar o A380, aeronave equipada com tecnologia avançada e responsável por transportar mais de 500 passageiros, é, segundo Karina, motivo de orgulho. “É muito gratificante saber que estou no comando de uma nave dessas”, afirma. Só a tripulação de cabine chega a 24 comissários.
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Foto: Arquivo Pessoal
Vida em Dubai e rotina de longos voos
Hoje, Karina vive em Dubai com o marido — piloto aposentado — e os dois filhos pequenos. A escala equilibrada permite mais tempo em casa do que tinha no Brasil. Em voos longos, como Dubai–Brasil, a operação é dividida entre quatro pilotos, com descanso programado em área reservada.
Ela diz que a qualidade de vida no emirado e a estrutura da empresa permitem equilibrar família e carreira. “A Emirates garante que estejamos sempre descansados. Isso faz toda diferença.”
Uma conquista para além da cabine
A história de Karina, construída entre resistência, quedas e retomadas, ecoa na própria frase com que resume sua jornada: foco, dedicação e resiliência. Agora, no topo da aviação mundial, ela abre caminho para outras mulheres que desejam ocupar o mesmo espaço — com a mesma firmeza com que respondeu, ainda adolescente: “É o que eu quero, é o que eu amo.”



