Oferta elevada e mudanças no consumo explicam redução de até 23% no custo dos principais itens da mesa dos brasileiros
Mesmo diante de uma inflação persistente sobre os alimentos, a dupla tradicional da mesa brasileira – arroz e feijão – apresentou queda significativa de preços nos últimos 12 meses. Dados recentes do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam reduções que chegaram a dois dígitos, trazendo um alívio parcial ao orçamento das famílias.
Produção em alta contribui para queda nos preços
De acordo com analistas de mercado, o principal fator por trás dessa retração nos preços é o aumento da oferta, decorrente de safras mais robustas. Alterações no padrão de consumo também influenciaram a dinâmica de mercado.
Segundo o IPCA, o arroz acumulou queda de 12,07% nos 12 meses encerrados em maio. Desde outubro do ano passado, o grão vem registrando sucessivos recuos mensais, totalizando oito meses seguidos de retração.
No caso do feijão, o tipo preto liderou a redução entre as quatro variedades acompanhadas pelo índice, com queda acumulada de 23,01% no mesmo período. Já o feijão carioca, o mais consumido no país, teve recuo de 13,17%. Também apresentaram baixas os tipos fradinho (7,23%) e mulatinho (4,25%), embora com menor peso na composição do IPCA.
“O aumento da produção, superando a demanda, foi decisivo para o barateamento desses alimentos”, afirma Evandro Oliveira, consultor especializado nos mercados de arroz e feijão da Safras & Mercado.
Mudanças no consumo afetam demanda
Apesar da recuperação da renda em função da melhora do mercado de trabalho, o consumo de arroz e feijão no varejo tem enfrentado obstáculos. Entre os fatores apontados por especialistas estão as mudanças nos hábitos alimentares de parte da população, que passou a adotar dietas diferenciadas ou a optar por refeições prontas, seja em casa ou fora dela.
Outro fenômeno que, segundo analistas, pode estar influenciando o comportamento de consumo é o aumento dos gastos com plataformas de apostas esportivas, conhecidas como “bets”. O consultor Evandro Oliveira destaca que essa nova destinação do orçamento familiar, inclusive entre as camadas de menor renda, tem sido observada como um fator adicional de pressão sobre a demanda por alimentos básicos.
Impacto regional e perspectiva das próximas safras
O Rio Grande do Sul, principal produtor de arroz do país, ainda busca se recuperar dos efeitos das enchentes históricas de 2024. Já o Paraná mantém sua liderança na produção de feijão.
Segundo as mais recentes estimativas do IBGE, divulgadas no dia 12 de junho, a colheita de arroz no Brasil deve crescer 15,9% em 2025 na comparação com o ano anterior. Para o feijão, que conta com três safras anuais, a projeção é de expansão de 4,6% na produção total do ano.
A primeira safra, tradicionalmente encerrada no primeiro trimestre, já registrou crescimento de 28,4%. Para a segunda colheita, em andamento, a expectativa é de retração de 9,9%, enquanto a terceira deve avançar 3,4%.
De acordo com Fábio Romão, economista da consultoria LCA 4intelligence, o aumento da área plantada, resultado das elevações de preços em anos anteriores, também contribui para o cenário de queda atual. “Esse movimento é visível principalmente no caso do arroz”, afirma.
O histórico recente de inflação do arroz reforça essa tendência: o produto acumulou altas de 5,98% em 2022, 24,54% em 2023 e 8,24% em 2024. Para 2025, o IBGE projeta um aumento de 11,3% na área cultivada.
Consumo de feijão segue em queda histórica
Além da oferta, mudanças estruturais no comportamento alimentar do brasileiro têm afetado o consumo de feijão. Romão lembra que levantamentos como a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017-2018 já apontavam uma redução expressiva na presença do produto no prato das famílias, tendência que pode ter se aprofundado nos anos seguintes.
Enquanto arroz e feijão apresentaram deflação acumulada, a alimentação no domicílio, de maneira geral, teve alta de 7,19% até maio, segundo o IPCA. Entre os itens com maior aumento no período, destacam-se o café moído, com impressionantes 82,24%, e as carnes, que subiram 23,48%.
Inflação de alimentos preocupa o governo
O avanço contínuo dos preços dos alimentos em geral é motivo de preocupação para o governo federal. O impacto sobre as famílias de menor renda tem sido apontado como um dos principais fatores para a queda na popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no início de 2025.
Para o fechamento deste ano, a LCA 4intelligence projeta uma retração de 13,7% nos preços do arroz e de 4% no valor agregado das quatro variedades de feijão acompanhadas pelo IPCA.