Especialistas alertam para os riscos do consumo da substância, capaz de provocar cegueira irreversível e até levar à morte
Casos em São Paulo e Pernambuco
O Estado de São Paulo confirmou, até esta quarta-feira, uma morte e investiga outras cinco suspeitas de intoxicação por metanol após consumo de bebidas adulteradas. Mais de 20 ocorrências estão em análise no território paulista, além de três registros em Pernambuco.
O que é o metanol e por que é perigoso
De acordo com Raphael Garcia, professor de Bioquímica, Farmacologia e Toxicologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o metanol (CH₃OH) tem composição química semelhante à do etanol, presente nas bebidas alcoólicas, mas não é seguro para consumo humano.
“Seu uso é restrito a aplicações industriais e laboratoriais, como solvente, combustível e matéria-prima para tintas e plásticos. Em pequenas quantidades já pode causar intoxicações graves e até fatais”, explica.
Enquanto o etanol é metabolizado em substâncias de baixa toxicidade, eliminadas pela urina, o metanol se transforma em formaldeído e, posteriormente, em ácido fórmico, compostos altamente nocivos ao organismo.
Sintomas da intoxicação por metanol
Segundo a Secretaria de Saúde de São Paulo (SES-SP), os primeiros sinais aparecem até seis horas após a ingestão e incluem dor abdominal intensa, tontura, sonolência, náusea, vômito, dor de cabeça, confusão mental, taquicardia e queda da pressão arterial.
Entre seis e 24 horas após o consumo, podem surgir sintomas mais graves, como visão embaçada, fotofobia, dilatação das pupilas, convulsões, coma e acidose metabólica severa. Em casos avançados, a intoxicação pode levar à cegueira irreversível, insuficiência renal, falência múltipla de órgãos e morte.
“O que costuma confundir é a semelhança com um quadro de embriaguez comum. O diferencial é o embaçamento da visão e a intensificação dos sintomas ao longo do tempo, já que o metanol não é metabolizado de forma completa”, explica o biomédico Leonardo André Silvani, especialista em Patologia e Toxicologia.
Tratamento e antídotos
O tratamento busca impedir a conversão do metanol em metabólitos tóxicos. Dependendo da gravidade, podem ser necessárias medidas de suporte vital, como intubação, ventilação mecânica, hemoperfusão (filtração do sangue) e reanimação cardiopulmonar.
“São usados antídotos específicos que bloqueiam a metabolização do metanol. Entre eles, o próprio etanol pode ser administrado, já que compete pela mesma enzima com afinidade muito maior, reduzindo a produção das substâncias tóxicas”, explica Diego Rissi, perito legista e toxicologista da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Como o metanol chega às bebidas
Segundo o Conselho Federal de Química (CFQ), o metanol pode estar presente nas bebidas por fraude deliberada — quando produtores substituem etanol por metanol para reduzir custos — ou por falhas em processos de destilação clandestina, em que não ocorre a separação correta das frações da bebida.
“Mesmo pequenas concentrações já são perigosas. Apenas 10 ml podem causar cegueira, e 30 ml podem ser fatais para um adulto”, alerta Siddhartha Giese, analista químico do CFQ.
A recomendação é adquirir sempre bebidas de procedência confiável, evitar produtos sem registro ou com valores muito abaixo do mercado e exigir análises de qualidade feitas pela indústria.
Impacto global e risco do consumo ilegal
O problema não é exclusivo do Brasil. O Médicos Sem Fronteiras (MSF) aponta que surtos de intoxicação por metanol no mundo estão geralmente associados à adulteração proposital de bebidas alcoólicas, já que o metanol é mais barato que o etanol.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 21% do álcool consumido no planeta seja proveniente de fontes ilegais. De acordo com o MSF, desde 1998 foram registradas 40,1 mil pessoas afetadas e 14,3 mil mortes relacionadas à ingestão de metanol. A taxa de mortalidade em surtos pode variar de 20% a 40%.