Decisão do STF aponta atuação de organização criminosa para financiar campanhas eleitorais e determina buscas, apreensões e quebra de sigilos
Avanço das investigações
A operação deflagrada pela Polícia Federal que tem como alvo o deputado federal Antônio Doido (MDB-PA) avançou sobre integrantes do Executivo estadual, familiares e pessoas próximas ao parlamentar. Mandados de busca e apreensão foram cumpridos contra um secretário do governo do Pará, a esposa do deputado, um gerente de fazenda e policiais militares suspeitos de realizar saques em espécie que ultrapassam R$ 48 milhões.
Segundo a investigação, o grupo teria atuado para atender a interesses particulares do parlamentar, inclusive com movimentações financeiras de alto valor em dinheiro vivo, o que levantou suspeitas de ocultação de recursos e lavagem de dinheiro.
Esquema para financiar campanhas eleitorais
De acordo com decisão do Supremo Tribunal Federal, a organização criminosa, supostamente liderada pelo deputado, teria desviado recursos públicos oriundos de licitações estaduais para abastecer campanhas eleitorais em 2024. Naquele pleito, o parlamentar e um irmão disputaram as prefeituras de Ananindeua e Ourém, no Pará, mas não foram eleitos.
Na decisão, o ministro Flávio Dino destacou que o grupo utilizava empresas para operacionalizar as movimentações financeiras investigadas, conforme apontado pela Polícia Federal.
Crimes apontados pela Polícia Federal
A representação da PF descreve indícios consistentes da prática de diversos crimes, entre eles delitos eleitorais, fraudes em licitações, frustração do caráter competitivo de certames, corrupção e lavagem de dinheiro. O inquérito sustenta que o esquema funcionava de forma estruturada, com divisão de tarefas e uso de empresas para dar aparência de legalidade às operações.
Papel de policiais militares nos saques
As apurações indicam que o coronel Francisco Galhardo, da Polícia Militar do Pará, teria recrutado outros agentes para realizar saques vultosos de recursos ligados aos negócios do parlamentar. Mensagens interceptadas pela PF mencionam expressões como “missão banco” e revelam orientação direta para a retirada dos valores.
Relatório de inteligência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras apontou que o coronel figurou como responsável por 15 saques que, somados, ultrapassam R$ 48 milhões entre março de 2023 e outubro de 2024. Desse total, cerca de R$ 22 milhões teriam sido retirados nas semanas que antecederam as eleições municipais.
Empresas e contratos públicos
Duas construtoras — JA Construcons Civil e JAC Engenharia — aparecem no centro do inquérito. Ambas estão registradas em nome da esposa do deputado e do gerente de uma fazenda do parlamentar, apontados pela PF como “pessoas interpostas”. As empresas acumularam mais de R$ 900 milhões em contratos com o governo do Pará em um intervalo de quatro anos.
Na decisão, o ministro Flávio Dino determinou a suspensão do direito das construtoras de participar de licitações e firmar novos contratos com órgãos públicos.
Secretário estadual é citado, mas não afastado
A investigação também alcançou o secretário estadual de Obras Públicas, Benedito Ruy Cabral, apontado como integrante do suposto esquema e acusado de violar deveres funcionais ao utilizar um cargo estratégico. Apesar disso, o STF negou o pedido de afastamento do secretário e também rejeitou a solicitação para realização de buscas no gabinete do deputado na Câmara dos Deputados.
Segundo o ministro, os fatos apurados ocorreram no Pará e não guardariam relação direta com o exercício do mandato parlamentar.
Quebra de sigilos e novas diligências
Em contrapartida, o STF autorizou a quebra dos sigilos telefônico e telemático do deputado, de sua esposa, do secretário estadual e dos policiais militares investigados, além da execução de mandados de busca e apreensão no Pará e em Brasília.
Origem do inquérito
O caso tramitava inicialmente na Justiça Eleitoral do Pará, mas foi remetido ao Supremo em razão do foro por prerrogativa de função do parlamentar. A investigação começou após a prisão em flagrante, em outubro de 2024, do gerente da fazenda do deputado e de dois policiais militares que transportavam R$ 5 milhões em espécie. Eles chegaram a ser detidos sob suspeita de compra de votos, mas acabaram liberados.
Nota do governo estadual
Em nota, a Secretaria de Estado de Obras Públicas do Pará afirmou que todas as contratações seguem rigorosamente os processos licitatórios previstos em lei, com observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e economicidade. O órgão também informou que os pagamentos às empresas contratadas são realizados exclusivamente por meio de procedimentos administrativos formais, com base em medições atestadas pela fiscalização da pasta.



