Anistias foram aplicadas 80 vezes desde a redemocratização; para estudiosos, elas evitam enfrentamento de rupturas e fortalecem tutela militar
Defesa do perdão
Ao apoiar a anistia para os envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), se alinha à pauta do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu por tentativa de golpe. Durante ato na avenida Paulista, Tarcísio pressionou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a pautar o projeto e classificou a anistia como “remédio político”.
Histórico de concessões
Levantamento da Agência Senado aponta que o Congresso já recorreu à anistia cerca de 80 vezes, em episódios como a Independência, a Revolta da Chibata e o fim do Estado Novo. Especialistas veem nesse padrão a dificuldade do país em enfrentar crises e punir responsáveis por violações.
“Uma anistia agora mostraria que é possível tentar dar um golpe e nada acontecer”, afirma Paulo Ramirez, professor de ciências sociais da ESPM. Segundo ele, a impunidade reforça a ideia de que não há consequências para ataques à democracia.
Cordialidade e esquecimento
Ramirez associa essa tendência ao conceito de “cordialidade” de Sérgio Buarque de Holanda, que descreve a propensão brasileira a mascarar conflitos com gestos afáveis. Essa postura, afirma, marcou inclusive a redemocratização, com a Lei da Anistia de 1979, que perdoou tanto exilados quanto agentes da repressão — estes jamais responsabilizados.
Exceção ou continuidade
Ao contrário de outras anistias, a proposta defendida pela base bolsonarista beneficia apenas um grupo específico. Em contraste, a Argentina condenou mais de mil envolvidos em crimes da ditadura de 1976, como retratado no filme Argentina, 1985.
Tradição conciliadora
Desde o Império, anistias foram utilizadas como ferramenta de pacificação. Em 1822, Dom Pedro I perdoou opositores da Independência. Na República Velha, Rui Barbosa defendeu o perdão em revoltas como a da Vacina e a da Chibata — esta última marcada pela repressão, apesar da anistia formal.
Décadas depois, Getúlio Vargas usaria o perdão como instrumento de transição ao fim do Estado Novo, beneficiando presos políticos antes de ser deposto por aliados militares.
Militares e democracia
Para a pesquisadora Maria Clara Spada de Castro, da UFRRJ, cada anistia reflete seu tempo político. Ela lembra que, apesar da tradição conciliadora, militares já foram punidos, como na Revolta Paulista de 1924. No entanto, ressalta: “Nunca conseguimos resolver de fato a questão militar no país”.
Segundo a pesquisadora, a ausência de limites bem definidos entre Forças Armadas e instituições civis se agravou com a Lei da Anistia de 1979, que, em vez de encerrar os abusos, consolidou a impunidade.
Familiares de presos do 8 de janeiro cogitam greve de fome para pressionar Câmara
Inspirados na chamada “solução Glauber”, grupo se articula com parlamentares bolsonaristas para forçar votação de urgência do projeto
Familiares de investigados e condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 articulam uma greve de fome como forma de pressionar o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), a pautar a votação do regime de urgência do projeto de anistia em tramitação na Casa.
O movimento busca inspiração no episódio conhecido como “solução Glauber”, quando o então deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) utilizou manobras regimentais e pressão política para avançar uma pauta minoritária.
O ato vem sendo organizado com apoio de parlamentares da base bolsonarista e prevê mobilizações nas dependências do Congresso Nacional. O objetivo é aumentar a pressão institucional e pública para que a proposta avance ainda neste semestre.
( Com FolhaPress/Redação )