A proposta dos Brics, apresentada pelo Brasil, serviu como base para as negociações, que resultaram em avanços limitados no financiamento da proteção da biodiversidade.
O texto final da 16ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP16), realizada em Roma, reconhece a necessidade de mobilização de recursos para a preservação ambiental, mas a decisão sobre a criação de um novo fundo foi adiada mais uma vez.
Aprovado na madrugada de sexta-feira, o documento final é visto por especialistas como um sinal positivo para o multilateralismo, mas insuficiente para garantir recursos concretos. A COP16 ocorreu em Roma após o impasse na edição anterior, que foi encerrada sem consenso em Cali, na Colômbia.
Diante dos cortes orçamentários da União Europeia e da posição do governo dos Estados Unidos de não contribuir financeiramente com acordos no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) nos próximos quatro anos, houve um impasse entre os países desenvolvidos e os Brics, liderados pelo Brasil. A principal discussão girou em torno da origem e da administração de um fundo global. Após 11 horas de reuniões, os participantes concordaram com um “arranjo permanente” para apoiar os países em desenvolvimento na conservação da biodiversidade. Também foi acordada a mobilização de pelo menos US$ 200 bilhões anuais até 2030.
No entanto, ainda não foi definido de onde virão esses recursos, como serão destinados e quem será responsável pela sua administração. O Brasil defende a criação de um fundo específico para apoiar o cumprimento das metas do Acordo de Kunming-Montreal, estabelecido em 2022, que prevê a proteção de 30% das terras e dos oceanos até 2030. Já União Europeia, Japão e Canadá preferem que os valores sejam direcionados a fundos já existentes, sob administração do Banco Mundial. A decisão final sobre o novo mecanismo foi postergada para 2028. “Temos o prato, agora falta encontrar a comida”, disse Daniel Mukubi, representante da República Democrática do Congo, à Agência France Presse.
Desafios e perspectivas
Efraim Gomez, diretor de Políticas Globais do WWF Internacional, elogiou os avanços obtidos, mas destacou que ainda há desafios a serem superados. “Os Estados Partes deram um passo na direção certa. Nós os parabenizamos por alcançarem esses avanços multilaterais em um contexto global desafiador. Há consenso sobre um caminho a seguir para estruturar os arranjos financeiros necessários para deter a perda da biodiversidade e restaurar a natureza”, afirmou. “No entanto, esse passo necessário ainda não é suficiente”, completou.
Para Brian O’Donnell, diretor da organização Campanha pela Natureza, a aprovação de um texto consensual é um avanço significativo. “Nesses tempos turbulentos, é inspirador ver 196 países se unirem e superarem diferenças e desafios nacionais para chegar a uma solução compartilhada”, afirmou. Um dos principais avanços da COP16, segundo O’Donnell, foi a promessa de criar, pela primeira vez, um diálogo entre ministros do Meio Ambiente e da Fazenda para debater o financiamento da biodiversidade.
O Brasil teve papel fundamental nas negociações. “O Brasil desempenhou um papel essencial na busca por soluções concretas, demonstrando que países megabiodiversos não estão apenas esperando compromissos, mas ativamente construindo pontes para viabilizar a implementação do Marco Global de Biodiversidade”, destacou Michel Santos, gerente de políticas públicas do WWF-Brasil. “Em um momento de crise do multilateralismo, avançar em um arranjo financeiro para a biodiversidade é uma resposta necessária e urgente.”
Durante a COP16, os países também adotaram regras e indicadores que permitirão medir e verificar os esforços globais para a preservação da natureza até a COP17, que ocorrerá em 2026, na Armênia. Tanto nações desenvolvidas quanto emergentes reconhecem a necessidade urgente de combater o desmatamento, a exploração excessiva de recursos e a poluição, ameaças que impactam a segurança alimentar, a saúde pública, o clima e a sobrevivência de um milhão de espécies.
Fundo Cali e financiamento privado
Um dos principais resultados da COP16 foi a oficialização do Fundo Cali, acordado na Colômbia em novembro de 2023. O mecanismo prevê a mobilização de recursos financeiros provenientes de empresas que utilizam dados genéticos sequenciados digitalmente. O fundo foi celebrado especialmente por povos indígenas e comunidades tradicionais, que receberão 50% dos valores arrecadados para financiar iniciativas de conservação da biodiversidade em âmbito local.