A alienação parental, definida por lei, tem sido centro de debates e projetos que buscam sua revogação, mas a prática continua reconhecida por especialistas em direito da família e psicologia.
O cantor sertanejo Murilo Huff obteve a guarda unilateral de seu filho Léo, de 4 anos, fruto do relacionamento com a falecida cantora Marília Mendonça. A decisão, proferida nesta segunda-feira (30), acatou a acusação de negligência e alienação parental contra a avó materna, Ruth Moreira Dias.
Conforme reportagem do UOL, a defesa da mãe de Marília Mendonça alega que a “decisão contraria parecer do Ministério Público, que se manifestou contrário à concessão da tutela de urgência, e que provas ‘vão mudar totalmente o curso dessa ação’”.
A controvérsia reacende o debate sobre a alienação parental e sua influência em disputas de guarda. A síndrome da alienação parental, proposta pelo psiquiatra Richard Gardner, ocorre quando um genitor desqualifica, de forma deliberada, o outro, visando interferir sistematicamente na relação entre a vítima da alienação e o filho, afastando-os.
A alienação parental foi definida pela lei n° 12.318/2010, que estabelece medidas para proteger a criança e o adolescente desse tipo de interferência. Tanto a teoria de Gardner quanto a lei têm sido alvo de críticas, resultando em projetos de lei que promovem a revogação integral da lei da alienação parental.
Alienação parental na prática: critérios e implicações
Apesar das críticas à lei, a alienação parental como prática continua sendo reconhecida por especialistas. “Os critérios envolvem dificultar o contato com o outro genitor, omitir informações relevantes ou realizar falsas acusações”, explica a advogada especialista em direito da família Amanda Helito.
A advogada ressalta que a lei permite que qualquer pessoa que exerça influência na vida da criança seja responsabilizada por atos de alienação parental, incluindo tios e avós. Segundo ela, embora o essencial seja preservar os vínculos afetivos do menor, o juiz pode determinar mudança de guarda ou restrição de convivência.
Nesse cenário, a criança é utilizada contra o genitor vítima. “Mesmo uma mentira muito óbvia, quando ela é repetida muitas vezes para a criança acaba se tornando uma verdade”, diz a psicóloga forense Maria de Fátima Franco dos Santos, complementando que o genitor que pratica a alienação sabe que causará sofrimento à criança, agindo de forma narcísica e egocêntrica.
Danos à criança e sinais de alerta
Os danos causados à criança em um processo de alienação parental podem se estender por toda a vida, segundo psicólogos. Os sentimentos mais comuns são os de rejeição, medo de não ser amado, desconfiança das pessoas, insegurança, ansiedade e culpa internalizada.
Na infância, esses sinais podem ser observados através de uma mudança brusca de comportamento e rejeição repentina por um dos genitores. “Precisamos olhar e prestar atenção nesses sinais, mais do que as palavras. A criança sempre dá sinais quando algo não vai bem”, afirma a psicóloga Patrícia Binhardi. A psicóloga também explica que, em casos de falecimento de um dos genitores e no processo de luto, a tentativa de apagar a memória ou desqualificar a figura do genitor que partiu também pode ser uma forma sutil de alienação.
Complexidade do diagnóstico e proteção judicial
É crucial ressaltar que a acusação de alienação parental é complexa e exige avaliação séria e multidisciplinar, além da apresentação de provas contundentes de que a prática está de fato ocorrendo. A advogada especialista em direito de família Vanessa Paiva comenta que a criação de provas pode ser desafiadora. “A lei da alienação parental estabelece que, havendo indícios desse tipo de violência, o juiz deve determinar perícia psicológica ou biopsicossocial com equipe qualificada, documentos e entrevistas”, complementa.
Para complementar os documentos probatórios, devem ser incluídos laudos psicológicos, áudios, mensagens e prints, laudos sociais e entrevistas com a criança. Paiva acrescenta que deve ser feita uma análise técnica minuciosa, via perícia interdisciplinar. Além disso, a advogada afirma que a lei proíbe que alegações de alienação sejam usadas para desqualificar denúncias de abuso ou violência, e o contrário também.
Artur Costa, psicanalista e professor da Associação Brasileira de Psicanálise Clínica (ABPC), enfatiza que “o debate precisa ser técnico, não ideológico. A criança não pode ser palco de disputa, mas ser prioridade afetiva e institucional”. O psicanalista reforça que a alienação parental não pode ser um álibe para encobrir outras violências, mas tampouco pode ser banalizada. Ele também aponta que o interesse do menor deve ser preservado e avaliado à luz do vínculo emocional, da estabilidade psíquica e do desenvolvimento subjetivo da criança, levando em conta o contexto afetivo.
Santos lembra que o profissional que fará uma avaliação psicológica de alienação parental deve ser experiente e capaz de analisar todo o contexto, além de conhecer bem as características de um alienador parental.
Durante o processo judicial de alienação parental, a psicóloga forense diz que a psicoterapia é uma das melhores formas de proteger a criança, também feita com um profissional experiente no assunto. “Para ajudar a criança a perceber que tudo aquilo que ela está sentindo, que ela está pensando em relação ao pai ou à mãe, os sentimentos que ela tem devem ser considerados e valorizados.”
Paiva explica que, do ponto de vista jurídico, é possível e necessário proteger a criança durante o processo judicial, sendo dever do juiz agir para essa proteção, conforme estabelece o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). As medidas para essa proteção envolvem: protocolo de escuta especializada, que evita exposição desnecessária; acompanhamento psicológico contínuo; antecipação de tutela para afastamento de um dos genitores, se comprovado risco à integridade da criança; sigilo processual; e nomeação de curador especial, quando os pais forem inaptos para representar os reais interesses da criança.
Decisão judicial no caso de Léo
Na decisão que concedeu a guarda a Murilo Huff, o juiz apontou que documentos e mensagens indicam situações de negligência no cuidado de Léo, que é portador de diabetes tipo 1 e necessita de acompanhamento constante. A alegação de que a avó materna teria dito “não fala pro murilo” sobre a condição de saúde do neto foi um dos pontos cruciais considerados. (Com Folhapress)