Avanço de aplicativos que geram nudes falsos com inteligência artificial intensifica debate sobre segurança e privacidade infantil na internet
Uma decisão que vai além do sharenting
No último verão, minha esposa e eu tivemos nossa primeira filha. Diferente de muitos pais, escolhemos não publicar nenhuma foto dela nas redes sociais. A decisão não surgiu de um afastamento digital, mas do receio de novas ameaças ligadas ao avanço da inteligência artificial.
O hábito de compartilhar imagens e informações sobre filhos, conhecido como sharenting, consolidou-se nos últimos anos. Pesquisas indicam que apenas um quarto dos pais evita postar por medo de crimes virtuais ou uso indevido dos dados. Agora, um novo motivo se soma a essa lista: aplicativos capazes de criar deepfakes de nudez a partir de qualquer foto.
Como funcionam os “nudifiers”
Os chamados nudifiers utilizam inteligência artificial generativa — a mesma que alimenta ferramentas como o ChatGPT — para produzir imagens falsas de nudez em poucos segundos. O processo é simples: basta enviar uma foto para o site, pagar via cartão ou criptomoeda e receber o resultado. Alguns serviços oferecem testes gratuitos.
Investigações, como a conduzida por Alexios Mantzarlis, do portal Indicator, identificaram pelo menos 85 plataformas desse tipo. O impacto é preocupante: qualquer pessoa, incluindo estudantes, pode criar e compartilhar esse tipo de conteúdo, causando danos emocionais graves às vítimas.
Apesar de uma nova lei federal nos Estados Unidos criminalizar a publicação de nudes falsos sem consentimento, não há restrições à oferta dos aplicativos. Plataformas como Meta, TikTok e Snap proíbem anúncios de nudifiers, mas a atuação de sites estrangeiros dificulta a fiscalização.
Um mercado milionário e de fácil acesso
Em alguns casos, o custo para gerar uma imagem falsa não ultrapassa R$ 0,50. Mantzarlis estima que o setor movimente cerca de R$ 200 milhões por ano. A Meta, em junho, processou um desenvolvedor em Hong Kong que burlou filtros de anúncios para divulgar seus aplicativos. A empresa também compartilhou dados dessas ferramentas com iniciativas globais de combate ao abuso infantil.
Ainda assim, bastam alguns cliques para encontrar e usar esses serviços, e relatos indicam que até ambientes escolares têm sido palco para esse tipo de crime.
Privacidade e segurança: o que os pais precisam considerar
Publicar fotos de crianças nas redes sociais pode facilitar a ação de abusadores, que copiam imagens de perfis e as manipulam. Embora contas privadas ofereçam mais controle, especialistas alertam que o risco persiste — especialmente porque, em muitos casos, o agressor é alguém conhecido.
Além dos deepfakes, informações aparentemente inocentes, como fotos de aniversários, podem expor dados sensíveis, como a data de nascimento, facilitando golpes de identidade. Segundo a Comissão Federal de Comércio dos EUA, casos de fraude envolvendo menores cresceram 40% entre 2021 e 2024, alcançando 1,1 milhão de vítimas por ano.
Alternativas mais seguras para compartilhar
Pais que desejam registrar momentos e compartilhá-los com familiares podem recorrer a métodos mais seguros, como envio por aplicativos de mensagem com criptografia de ponta a ponta ou uso de álbuns privados no iCloud e Google Fotos.
Ainda assim, há um desafio inevitável: escolas e instituições frequentemente publicam imagens de alunos em redes sociais. Para alguns pais, como eu, resta monitorar e solicitar a exclusão dessas fotos sempre que possível — até que a criança, no futuro, possa decidir por conta própria o que deseja tornar público.
( Com The New York Times )