Queda no número de católicos em países historicamente ligados à fé romana, como o Brasil, está entre os obstáculos do novo líder da Igreja
O cardeal norte-americano Robert Prevost, 69, foi eleito nesta quinta-feira (8) como novo papa da Igreja Católica. Ele adotará o nome de Leão 14. A escolha foi confirmada no segundo dia do Conclave, após a tradicional fumaça branca surgir da chaminé da Capela Sistina, indicando consenso entre os cardeais.
Natural de Chicago, Prevost tem perfil reformista e acumula experiência como missionário no Peru. Antes da eleição papal, ocupava o cargo de arcebispo e integrava a Cúria Romana.
A nova liderança chega em um momento de importantes desafios para a Igreja Católica, especialmente diante da queda no número de fiéis e das tensões internas entre alas conservadoras e progressistas.
Erosão do número de fiéis
Um dos primeiros grandes obstáculos para Leão 14 será conter a perda de católicos em várias regiões tradicionalmente ligadas à fé romana. Apesar do crescimento global da Igreja — que alcançou 1,4 bilhão de fiéis em 2023, segundo o Vaticano —, a instituição tem registrado perda de espaço para outras religiões e para o secularismo em diversos países.
No Brasil, maior nação católica do planeta, a proporção de católicos caiu de 74% em 2000 para 65% em 2010, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já o percentual de evangélicos mais que dobrou entre 1990 e 2010, passando de 9% para 22,2%.
O Censo 2022 ainda está sendo consolidado, mas análises preliminares apontam a manutenção dessa tendência de queda leia mais sobre a migração religiosa no Brasil.
Nos Estados Unidos, o fenômeno também é evidente. Segundo o Pew Research Center, a população adulta que se identifica como cristã caiu de 78%, em 2007, para 62%, em 2023. O percentual de pessoas sem afiliação religiosa passou de 16% para 29% no mesmo intervalo.
A África Subsaariana é hoje a principal fronteira de crescimento do catolicismo, embora a concorrência com igrejas evangélicas e com o islamismo também seja acirrada na região.
Analistas ouvidos pela imprensa internacional apontam uma série de fatores para o declínio, como a dificuldade da Igreja em dialogar com os anseios contemporâneos e a percepção de elitismo em algumas paróquias. No Brasil, a preferência por vertentes mais conservadoras do cristianismo tem contribuído para o avanço evangélico.
Para o vaticanista Filipe Domingues, essa mudança religiosa ocorre em paralelo a uma crise de confiança nas grandes instituições, incluindo a própria Igreja Católica.
Escassez de vocações sacerdotais
Outro desafio diz respeito à diminuição do número de padres. Estimativas do Vaticano indicam que há cerca de 407 mil sacerdotes no mundo, número inferior ao registrado em 2017, com perdas mais significativas na Europa e nas Américas.
No Brasil, segundo pesquisa de 2018, seriam necessários ao menos 20 mil novos padres para atender adequadamente todas as comunidades católicas.
A formação sacerdotal também é questionada. Especialistas afirmam que os seminários não têm conseguido preparar os novos padres para lidar com as exigências da vida moderna, o que afasta jovens vocacionados. Além disso, debates sensíveis como a ordenação de homens casados ou mulheres enfrentam forte resistência interna.
Conflito entre alas da Igreja
A tensão entre setores conservadores e reformistas da Igreja Católica deve permanecer sob o novo papado. O pontificado de Francisco foi marcado por discursos em favor da inclusão, como a defesa das pessoas LGBTQIA+ e dos divorciados.
“Criminalizar pessoas de tendências homossexuais é uma injustiça”, declarou o papa em um de seus pronunciamentos mais emblemáticos.
Tais falas tiveram grande repercussão, embora a doutrina oficial continue a classificar a homossexualidade como pecado. Para reformistas, Francisco foi um agente de mudança, ainda que tímido. Já para os tradicionalistas, representou um desvio dos valores históricos da Igreja — alguns o acusaram até de ser “comunista”.
A polarização interna deve seguir como um dos principais dilemas do pontificado de Leão 14.
Combate a abusos sexuais
Ainda sem uma solução definitiva está o escândalo de abusos sexuais cometidos por integrantes do clero. Em diversos países, investigações revelaram o encobrimento sistemático desses crimes por parte da hierarquia eclesiástica.
Na França, relatório revelou 216 mil denúncias de abusos entre 1950 e 2000. Na Irlanda, foram 15 mil casos entre 1970 e 1990. Nos EUA, as denúncias somam 11 mil, sendo que, em 2020, ainda havia cerca de 2 mil sacerdotes vivos acusados.
No Brasil, investigações jornalísticas revelaram centenas de casos. Em 2019, a Arquidiocese da Paraíba chegou a ser condenada por exploração sexual de menores, mas a multa de R$ 12 milhões foi posteriormente anulada.
Durante seu pontificado, Francisco encontrou-se com vítimas e implementou medidas para encorajar denúncias e permitir que os casos fossem levados à Justiça comum. No entanto, muitas vítimas relatam que a cultura de silêncio e proteção à hierarquia ainda prevalece em boa parte da instituição.
Esse será outro tema sensível que demandará ações concretas por parte de Leão 14, em busca de restauração da credibilidade da Igreja. (Com BBC News Brasil)