Idosos e populações vulneráveis serão os mais afetados, segundo pesquisa do projeto Mudanças Climáticas e Saúde Urbana
O calor extremo é atualmente responsável por cerca de 1 a cada 100 mortes na América Latina, mas esse número pode mais que dobrar até meados da década de 2040, segundo uma nova análise conduzida por pesquisadores do projeto Mudanças Climáticas e Saúde Urbana na América Latina (Salurbal-Clima). O estudo avaliou cenários em 326 cidades de nove países — entre eles, Brasil, Argentina, Chile, México e Peru — e estimou que, com o envelhecimento populacional e o aumento médio da temperatura global entre 1º C e 3º C, as mortes associadas ao calor poderão representar até 2,06% do total no período de 2045 a 2054, em comparação com 0,87% atualmente.
De acordo com o professor Nelson Gouveia, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e um dos autores do estudo, as pessoas idosas e as mais pobres serão as mais vulneráveis aos impactos do calor.
“As pessoas idosas e as mais pobres são as que mais sofrem. Quem vive em áreas periféricas, em moradias precárias e sem acesso a ar-condicionado ou a espaços verdes terá mais dificuldade para enfrentar ondas de calor cada vez mais intensas. As mortes são apenas a ponta do iceberg. O calor extremo aumenta o risco de infartos, insuficiência cardíaca e outras complicações, especialmente em pessoas com doenças crônicas”, afirma Gouveia.
No Brasil, os pesquisadores utilizaram dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do DataSUS, além de informações do Censo Demográfico do IBGE. A análise aponta que tanto os eventos de calor quanto os de frio extremo devem causar um aumento expressivo de mortes nos próximos anos, principalmente entre pessoas com mais de 65 anos, faixa etária que tende a crescer significativamente até a metade do século.
Os cientistas ressaltam que parte dessas mortes pode ser evitada com políticas públicas de adaptação climática, especialmente voltadas a populações vulneráveis. Entre as medidas recomendadas estão a criação de planos de ação para ondas de calor, infraestrutura urbana adaptada para reduzir a exposição a altas temperaturas e estratégias de mitigação de efeitos climáticos na saúde — com prioridade para idosos e pessoas com deficiência.
O relatório também sugere ações como sistemas de alerta precoce com comunicação acessível, ampliação de áreas verdes e corredores de ventilação urbana para diminuir ilhas de calor, além de campanhas educativas sobre riscos e prevenção. Protocolos específicos de atendimento médico prioritário em períodos de calor extremo, como já ocorre no Rio de Janeiro, também estão entre as práticas apontadas como eficazes.
O Salurbal-Clima é um projeto internacional de cinco anos (2023–2028) que envolve pesquisadores de nove países latino-americanos e dos Estados Unidos, com o objetivo de identificar os impactos das mudanças climáticas na saúde urbana e fornecer subsídios para políticas públicas regionais.