A prisão e morte do ex-deputado federal Rubens Paiva, ocorrida há 54 anos, voltaram a ganhar destaque no Brasil e no exterior com o sucesso do filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles.
A obra, inspirada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho do ex-parlamentar, coloca em evidência os dias de dor vividos pela família, especialmente pela viúva Eunice Paiva, mas também resgata a trajetória idealista e corajosa de um político que marcou sua época.
Rubens Paiva, nascido em Santos (SP) em 1929, foi cassado pelo regime militar instaurado em 1964, mas manteve seu engajamento em causas sociais e democráticas. Defensor de pautas como a reforma agrária e a nacionalização de empresas estratégicas, ele foi preso em 20 de janeiro de 1971, feriado de São Sebastião, em sua casa no Rio de Janeiro, por agentes do Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa).
Segundo registros da Comissão Nacional da Verdade, Paiva foi torturado no quartel da Força Aérea Brasileira (FAB) e, posteriormente, nos porões do DOI-CODI, onde foi assassinado na mesma noite ou dias depois. O atestado de óbito só foi emitido em fevereiro de 1996, marcando a primeira reparação oficial à família.
Um político idealista e combativo
Rubens Paiva começou sua militância no movimento estudantil, liderando o jornal O São Bento no ensino médio e, posteriormente, presidindo o Centro Acadêmico Horácio Lane na Universidade Mackenzie, onde cursou engenharia civil. Mesmo pertencendo a uma classe privilegiada, alinhou-se ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) e dedicou-se a pautas voltadas à justiça social.
Eleito deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1962, Paiva destacou-se pela atuação em temas como reforma agrária, melhorias na saúde e educação e combate à corrupção. Um de seus trabalhos mais relevantes foi como vice-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o financiamento eleitoral suspeito com recursos de entidades como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ipes).
“Rubens era movido por idealismo. Mesmo empresário e financeiramente privilegiado, acreditava que o Brasil poderia melhorar a vida dos mais pobres”, afirmou o biógrafo Jason Tércio, autor de obras como Segredo de Estado: o Desaparecimento de Rubens Paiva (2010) e Perfil Parlamentar de Rubens Paiva (2014).
Perseguição e resistência
Cassado pelo Ato Institucional nº 1, Paiva perdeu os direitos políticos em 1964 e exilou-se brevemente na Europa. Mesmo após seu retorno ao Brasil, recusando-se a viver na clandestinidade, ele continuou se opondo à ditadura, apoiando perseguidos políticos e atuando em publicações como o jornal Última Hora, de oposição ao regime.
Após o endurecimento do regime com o AI-5, em 1968, Rubens Paiva intensificou seu apoio a grupos de resistência, encaminhando cartas de perseguidos políticos e participando de reuniões com sindicalistas e militantes. Essas ações o tornaram alvo constante da vigilância militar, culminando em sua prisão e morte.
Repercussões e memória
A história de Rubens Paiva é considerada um símbolo das violações de direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil. Segundo o escritor e ex-deputado federal Emiliano José, que também foi preso e torturado na época, o caso de Paiva reflete a necessidade de iluminar os “porões” do regime para que episódios semelhantes não se repitam.
“Rubens Paiva nunca pegou em armas, mas foi solidário aos perseguidos. Ele acreditava na liberdade e na democracia, e por isso foi preso e assassinado. Resgatar sua memória é um dever da sociedade”, declarou Emiliano José.
A Comissão Nacional da Verdade, em 2014, identificou os militares responsáveis pela prisão e tortura de Rubens Paiva, incluindo o tenente Antônio Fernando Hughes de Carvalho, apontado como o principal torturador. O Ministério Público Federal denunciou cinco militares reformados, mas, ao longo do processo, três deles faleceram. O caso permanece no Supremo Tribunal Federal.
Uma luta engasgada na história
Para o biógrafo Jason Tércio, a história de Rubens Paiva é um crime “engasgado na garganta do Brasil”. O caso já foi desarquivado diversas vezes e voltou a ser discutido em diferentes momentos da história do país, mas a punição efetiva dos responsáveis nunca ocorreu.
“A ditadura sustentou versões falsas sobre a morte de Paiva, tentando encobrir os crimes cometidos. Hoje, com obras como o filme Ainda Estou Aqui, há uma nova oportunidade de resgatar o legado de idealismo e coragem de Rubens Paiva, além de refletir sobre as atrocidades do regime militar”, avaliou Tércio.
Da Redação/Click News/Agência Brasil