Economia circular impulsiona iniciativas brasileiras que buscam reduzir impactos ambientais no setor têxtil
Retalhos que viram oportunidade
A busca por alternativas sustentáveis tem levado empreendedoras brasileiras a apostar na economia circular como forma de reduzir o descarte de resíduos têxteis. Entre elas está Flávia Souza, 54 anos, carioca e pioneira na gestão de sobras de tecidos no país. Há quase duas décadas, ela começou a reaproveitar retalhos de sua antiga marca de moda feminina, mas foi apenas em 2022 que nasceu o projeto Emendando Retalhos e a marca Alô Xique.
“Antes da pandemia, eu havia inaugurado uma loja em Copacabana só com produtos feitos de resíduos têxteis e, 18 dias, depois precisei fechar.” Durante o isolamento, ela encontrou uma nova forma de ensinar: “Passei quatro meses dentro de casa e, nesse período, montei meu primeiro curso online, ensinando a fabricar peças com retalhos.”
Um estudo recente da Rede One Planet evidencia a dependência global de fibras sintéticas, com o poliéster representando 59% da produção mundial. O levantamento também aponta para os limites da reciclagem têxtil e reforça a urgência de soluções inovadoras. Em apenas um ano, a produção global de fibras saltou de 125 milhões de toneladas (2023) para 132 milhões (2024).
Flávia também ganhou visibilidade nas redes sociais. Desde maio, acumula mais de 25 mil seguidores no Instagram, onde mostra o descarte de tecidos no Brás e ensina como abordar confecções.

A Chiclixous é uma empresa que se destaca por sua abordagem sustentável na produção de peças exclusivas. Foto: Divulgação
“Só no Brás são descartadas cerca de 45 toneladas de resíduos têxteis por dia. Uma empresa consciente pode transformar esses resíduos em um novo negócio dentro da própria estrutura, fortalecendo a sustentabilidade na moda”, afirma.
Metais e tecidos reinventados em acessórios
A designer Bruna Sartini, 36 anos, segue caminho semelhante ao unir reaproveitamento têxtil à circularidade de metais descartados. Em 2018, ela começou a recolher placas, correntes e chaves abandonadas nas ruas de São Paulo. Dessa prática nasceu a marca Chiclixous, que propõe repensar o conceito de lixo e discutir o papel da moda no contexto urbano e ambiental.
“A moda é uma via potente de comunicação e criatividade. Por que não usar esta capacidade para reinventar as coisas que já existem e não ao contrário?”, questiona.
Hoje, Bruna comercializa brincos, colares e pulseiras em feiras paulistanas e em sua loja online. “As peças de metal já possuem um brilho e um peso interessante. Com o tempo, fui abrindo as possibilidades de uso do lixo plástico, borrachas e tecido com a aplicação de técnicas de costura, crochê e bordado”, explica.
Para ela, sustentabilidade não se resume ao reaproveitamento de materiais. “Envolve a capacitação e remuneração justa aos que trabalham no processo, circularidade e estratégias que evitem o descarte dos resíduos gerados, pesquisa e trocas com pessoas engajadas na mesma causa”, diz.
Brechó que nasceu de uma tragédia
A trajetória de Julia Indig Teperman, 42 anos, foi marcada pelo impacto do desabamento do edifício Rana Plaza, em Bangladesh, que matou mais de mil pessoas e expôs condições de trabalho análogas à escravidão. O episódio, estudado durante sua pós-graduação, inspirou a criação do brechó Com.sentido, em Pinheiros, São Paulo, com foco em minimizar resíduos.
As embalagens dos acessórios são confeccionadas com tecidos excedentes da indústria, e as sacolas são ecobags reutilizáveis. “Algumas peças são customizadas com botões antigos, o que as faz mais especiais e evita gerar resíduo”, conta Julia.
Dados do Sebrae revelam que o Brasil gera cerca de 170 mil toneladas de resíduos têxteis por ano, mas apenas 20% são reciclados. Globalmente, segundo a consultoria S2F Partners, o descarte chega a 92 milhões de toneladas anuais, sendo 4,6 milhões provenientes do Brasil.
O futuro da moda circular
Para a especialista em moda sustentável Cíntia Felix, fundadora da marca AZ Marias, o país precisa de políticas públicas estruturadas que incentivem a economia circular, oferecendo apoio financeiro, acesso a mercados e fortalecimento de marcas.
Ela ressalta o protagonismo das pequenas empreendedoras na transformação do setor. “A sociedade também entende o papel e a beleza desse trabalho, que está falando de um cenário futuro”, afirma.
Cíntia defende que o avanço rumo a uma indústria mais responsável exige repensar toda a cadeia produtiva, da matéria-prima à comercialização, com atenção especial aos pequenos produtores.
“É aqui que está a maior floresta, que fornece carbono para o mundo. É aqui que estão as reservas ecológicas mais importantes. Temos, portanto, bastante substrato para nos transformar em uma indústria têxtil mais responsável, igualitária e sustentável”, diz.
Fonte: Futuro Vivo



