Há dias em que o tempo resolve fazer algo raro:
ele desacelera.
Dá um passo atrás.
Respira.
Esse dia, para mim, atende por um nome simples: meu aniversário.
Hoje, há um bolo na mesa.
As velas formam o número 81.
Mas basta mudar o angulo… e os mesmos números viram 18.
Talvez a vida seja isso: dois lados do mesmo espelho, convivendo dentro de nós.
Por fora, contamos anos.
Por dentro, contamos sonhos.
E quando olho para dentro, percebo que muitos daqueles sonhos antigos, alguns tímidos, outros ousados, ganharam forma ao longo da estrada.
Volto, então, ao menino que nasceu em 15 de dezembro de 1944, na Fazenda da Mata, Estulânia – Piracanjuba.
Consigo quase ouvir o barulho do vento passando pelos milharais, sentir o cheiro da terra úmida depois da chuva, ver a luz fina da manhã entrando pelas frestas.
Aquela madrugada trazia orvalho brilhante.
E um arco-íris discreto surgia no céu como se o próprio universo desse boas-vindas ao quinto dos nove filhos de Benedito e Arlinda.
Eu não sabia nada.
Nem precisava.
A vida estava pronta para ensinar.
O tempo, esse andarilho sempre com pressa, seguiu seu rumo.
Vieram as descobertas de menino, os primeiros medos, as primeiras alegrias.
Veio a juventude, cheia de energia e de perguntas.
Veio o amor, e com ele, a família que formei aos 26 anos.
Depois chegaram os 40, os 50, os 60…
E quando percebi, já era um senhor recebendo os 70 como quem recebe um amigo antigo.
E agora estou aqui: 81 anos, e uma alma acordada, viva, agradecida.
Hoje me faço algumas perguntas, mas sem dor, sem cobrança, com serenidade:
Toquei alguém de forma positiva?
Amei o suficiente?
Deixei marcas boas onde passei?
O que fiz com meus últimos 365 dias?
Essas perguntas não machucam.
Elas me devolvem para mim mesmo.
Mostram que viver não é apenas existir, mas participar da vida, com presença e responsabilidade.
Com o tempo, tornei-me mais amigo de mim.
Aprendi que o coração precisa de silêncio.
Que a alma precisa de espaço.
E que não existe vida sem tropeços, mas existe sabedoria em quem se levanta e segue.
Poucos amigos do passado ficaram.
Não porque partiram cedo, mas porque eu… estou durando mais.
A longevidade é assim: cobra algumas presenças, devolve algumas lições.
E, ainda assim, vale a pena.
Tenho cabelos brancos e uma memória que às vezes se esconde atrás de uma nuvem, mas carrego dentro do peito algo que não se desgasta:
a certeza de que a vida foi generosa comigo.
Aprendi que família é abrigo.
Que bens materiais não atravessam para o outro lado.
E que o verdadeiro patrimônio que carregamos não está no bolso, está no espírito.
Aprendi a me oferecer bondade.
A aceitar minhas limitações.
A exercitar a paciência.
A praticar a caridade.
A agradecer mais.
E a perceber que tudo no universo está interligado: mineral, vegetal, humano, espiritual.
Nada está sozinho.
Nada é por acaso.
Somos todos fios de uma mesma teia luminosa.
Quando apago as velas, não comemoro apenas o que passou.
Comemoro o privilégio de ainda estar aqui, respirando, aprendendo, tentando de novo.
E sorrio ao olhar para o bolo:
81 ou 18?
No fundo, eu tenho os dois:
a sabedoria dos anos e a juventude teimosa da alma.
Hoje é dia de recomeçar.
De repartir o que sei.
De florescer naquilo que ainda posso ser.
De ser, cada vez mais, o Wilton que desejo ser: confiável, honesto, amigo, sensato, generoso, amoroso.
Aos amigos, desejo que nossa amizade ultrapasse as curvas do tempo.
À família, meu agradecimento eterno, por caminhar comigo antes, durante e, quem sabe, depois desta vida.
Cada ano é uma vitória.
Cada abraço, um presente.
Cada manhã, um convite silencioso do universo para continuar.
Feliz vida para mim.
E para todos que caminham comigo nessa história.




