Expectativa de manutenção dos juros não alivia pressão nos ativos
Enquanto analistas antecipam uma semana previsível nas decisões de política monetária no Brasil e nos Estados Unidos, o mercado financeiro dá sinais de apreensão. A possível consolidação de uma sobretaxa de 50% sobre os produtos brasileiros reacende preocupações entre investidores, refletindo em queda na Bolsa e valorização do dólar frente ao real.
O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, iniciou nesta segunda-feira (29) sua reunião, cuja conclusão está prevista para quarta-feira (30). A expectativa majoritária entre economistas é de que a taxa básica de juros (Selic) seja mantida em 15% ao ano, encerrando o ciclo de alta iniciado em setembro de 2024. Do outro lado do hemisfério, o Federal Reserve (Fed) também deve preservar sua taxa de juros entre 4,25% e 4,50% ao ano, reforçando o tom comedido desta “superquarta”.
Perspectiva negativa sobre tarifaço compromete o apetite ao risco
O impasse comercial entre Brasília e Washington pressiona os ativos locais. Cresce a percepção de que o presidente norte-americano Donald Trump manterá a sobretaxa sobre produtos brasileiros, sem sinalizar recuo. A frustração com a falta de progresso nas negociações se materializa na performance do mercado. “Acho que existia uma esperança de recuo nas tarifas, que não parece estar vindo”, afirmou Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos.
Desempenho dos ativos: queda generalizada na B3
Na sessão de ontem, o Índice Bovespa recuou 1,04%, encerrando aos 132.129 pontos — o pior desempenho desde abril. Ainda assim, acumula alta de 9,85% em 2025. O dólar comercial avançou 0,5%, sendo negociado a R$ 5,899 na venda.
As ações de maior representatividade na Bolsa de São Paulo — as chamadas blue chips — também recuaram. Entre os destaques negativos, as preferenciais do Itaú Unibanco caíram 1,99%, enquanto as ordinárias da Ambev cederam 3,04%. A Karsten liderou as perdas do dia, com desvalorização de 11,40%, seguida por Camil (−8,68%), Banco de Brasília (−8,34%) e Taurus (−7,87%).
Segundo Cruz, a queda dos papéis da fabricante de armas foi impulsionada por declarações da própria empresa: “que ameaçou transferir a produção para os Estados Unidos se não houver acordo”. Sobre os demais ativos, observou que “nas demais quedas, não vi nada específico”.
Bolsas americanas seguem movimento misto
Nos Estados Unidos, o cenário é mais ambíguo. Após acordo entre Trump e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, a sobretaxa sobre produtos da União Europeia caiu de 30% para 15%. A repercussão, porém, foi dividida. O índice Dow Jones recuou 0,14%, enquanto o Nasdaq avançou 0,33%.
Copom deve manter cautela frente a cenário global
Para o economista Leonardo Costa, do ASA, a reunião do Copom não deve trazer surpresas. Ele classifica o encontro como “mais monótono”, diante do consenso entre os nove diretores da autoridade monetária.
Inflação sob controle, mas risco cambial preocupa
Apesar da queda contínua da inflação, o contexto externo ainda exige atenção. “Um risco grande que aparece no horizonte é essa guerra comercial, que tem um risco cambial”, alertou Costa, ao comentar o agravamento das tensões comerciais entre Brasil e EUA.
Segundo o último boletim Focus, divulgado pelo Banco Central, a mediana das estimativas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 4,45%, abaixo do teto da meta de 4,5%, pela segunda semana consecutiva.
Costa avalia que o Copom deverá reiterar o compromisso com juros elevados no curto prazo e reconhecer que, embora a atividade econômica siga resiliente, há sinais de moderação. “Sem espaço para cortes”, disse o economista. A projeção do ASA é de que o ciclo de flexibilização só se inicie a partir de dezembro. “Mas, até lá, o Banco Central deve manter o discurso de vigilância.”