Com o ex-presidente Jair Bolsonaro fora da disputa eleitoral, setores estratégicos avaliam alternativas para enfrentar Lula e discutem viabilidade política, agenda fiscal e apoio do campo
Com a inelegibilidade de Jair Bolsonaro até 2060 e sua prisão, o tabuleiro da direita para a eleição presidencial de 2026 entrou em reorganização. Representantes do mercado financeiro e do agronegócio passaram a discutir, de forma mais ativa, possíveis nomes capazes de herdar o espólio político do ex-presidente e enfrentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas.
A leitura predominante nesses setores é que, apesar do capital eleitoral de Bolsonaro, nenhum integrante da família reúne hoje condições políticas para liderar a disputa presidencial. Nesse cenário, gestores de investimento passaram a concentrar expectativas no governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Já entre produtores rurais, além dele, também são citados como alternativas viáveis os governadores Romeu Zema (Minas Gerais), Ronaldo Caiado (Goiás) e Ratinho Jr. (Paraná).
No campo, circula ainda a ideia de uma “chapa ideal”, em que um desses governadores teria como vice a ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina, nome associado à interlocução com o setor produtivo.
— A exclusão de Bolsonaro do processo eleitoral já estava precificada nos ativos. Por isso, não houve reação do mercado. Agora, a atenção se volta ao reposicionamento da direita e à identificação de nomes com potencial competitivo — afirma Fabio Murad, CEO da Spacemoney Investimentos.
Desconfiança com a continuidade do PT
No mercado financeiro, há a avaliação de que uma eventual reeleição de Lula pode aprofundar o desequilíbrio fiscal. Projeções apontam que a dívida bruta do governo pode alcançar 100% do PIB em 2030. Já no agronegócio, persistem queixas relacionadas à falta de diálogo com o governo federal, à limitação de recursos do Plano Safra, à fragilidade do seguro agrícola e ao apoio histórico do PT ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Esses elementos reforçam a busca por um candidato identificado com estabilidade econômica e previsibilidade institucional.
O que pesa para o mercado
Entre gestores e analistas, os critérios para apoiar um nome da direita passam pelo compromisso com o ajuste fiscal, continuidade das reformas estruturais e avanço do programa de privatizações. Para Rodrigo Marcatti, economista e CEO da Veedha Investimentos, a ausência de Bolsonaro torna Tarcísio o nome mais óbvio na largada.
— Não há espaço para alguém da família Bolsonaro sair candidato, porque a rejeição seria muito elevada. O caminho natural seria o ex-presidente transferir seu capital político para manter o bolsonarismo vivo, com Tarcísio como candidato, ainda que isso não seja consenso dentro da própria família — diz.
Embora Tarcísio reiteradamente declare que disputará a reeleição ao governo paulista, declarações recentes foram interpretadas pelo mercado como sinal de abertura para uma candidatura nacional. Após uma fala em que afirmou estar disposto a “jogar em qualquer posição”, o Ibovespa fechou em alta de 1,70%, alcançando recorde histórico de 158.582 pontos.
— O mercado reagiu bem a esse posicionamento mais claro. Agora, é entender como esse movimento vai se consolidar — avalia Daniel Teles, sócio da Valor Investimentos.
O peso de Bolsonaro nos bastidores
Executivos do setor bancário reconhecem que, mesmo inelegível, Bolsonaro segue como figura central na articulação da direita. Internamente, não se descarta que o senador Flávio Bolsonaro possa herdar parte do capital político do pai e tentar viabilizar uma candidatura.
Apesar disso, a leitura é que o apoio do mercado ao bolsonarismo, especialmente no Congresso, permanece relevante. Em levantamento interno da bancada do agronegócio, realizado em setembro, mais de 70% dos parlamentares se manifestaram favoráveis a uma anistia ao ex-presidente.
Para interlocutores do sistema financeiro, Tarcísio teria capacidade de dialogar simultaneamente com o mercado e o agro, além de aglutinar forças da direita. O principal entrave, no entanto, continua sendo a falta de entusiasmo de setores da família Bolsonaro em torno de seu nome.
Disputa ainda aberta no campo conservador
Para Paulo Bittencourt, estrategista-chefe da MZM Wealth, as críticas públicas feitas por integrantes da família Bolsonaro acabam mais atrapalhando do que ajudando na consolidação de um candidato competitivo.
— O mercado testa Tarcísio como um balão de ensaio. Ele tem perfil técnico, apoio partidário e reputação de bom gestor. Mas qualquer embate direto com a família Bolsonaro tende a afastar investidores — afirma. Segundo ele, Zema, Caiado e Ratinho Jr. vêm ganhando espaço no agro por defenderem políticas permanentes para o setor, embora ainda não exista consenso.
Viabilidade política e plano de país
No agronegócio, o debate vai além dos nomes. Tirso Meirelles, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), avalia que Caiado conhece profundamente o setor, enquanto Tarcísio tem apresentado resultados positivos à frente do governo paulista. Para ele, porém, o país precisa de um projeto claro.
— A dívida pública cresce, o tarifaço de Trump gerou perdas bilionárias nas exportações e os custos de produção estão mais altos. O candidato da direita precisa apresentar um plano de nação — afirma.
Já Antônio de Salvo, presidente da Faemg e do Senar, defende que o setor apoiará quem demonstrar maior viabilidade eleitoral. No momento, ele aponta Tarcísio e Zema como os nomes mais fortes, por governarem estados populosos e com maior capacidade de atrair votos.
— Precisamos de líderes que ouçam o agro e entendam sua importância para a economia. Uma parcela relevante do PIB passa pelo campo — resume.



