Era maio.
Seis aventureiros, divididos em três canoas, prontos para descer os 282 km do Rio do Peixe.
Iniciamos nossa jornada próximo ao povoado denominado Tiririca, depois da cidade de Faina – Goiás.
Ali estávamos, mergulhados não apenas nas águas serenas do rio, mas também nas lembranças que, em silêncio, já começavam a se formar — como quem chega de mansinho, sem querer ser esquecido.
O dia fora longo.
A seca castigava o leito do rio, raso, estreito, quase intransponível.
Logo nas primeiras duas horas, uma enorme árvore caída — um velho jatobá — quase bloqueava nossa passagem.
Era como uma sentinela do tempo, testemunha de outras histórias, guardadas pelo vento.

À noite, o cansaço nos venceu.
Deitamos cedo, embalados pelo silêncio da mata, quebrado apenas pelo sussurro do rio e o balançar tímido das folhas.
A natureza parecia cantar, baixinho, uma canção de ninar…
E então, veio a madrugada.
Discreta, generosa.
Com os primeiros raios do sol pedindo licença para despertar.
A brisa fria tocava nosso rosto com a delicadeza de uma saudade antiga.
Ali, à beira do rio, o tempo… pausava.
Nada urgia. Nada corria.
Só existíamos.
O canto desajeitado das gaivotas rasgava o céu.
Era 5h da manhã, 22 de maio de 2007.
As garças deslizavam no ar como se soubessem, desde sempre, onde era o seu lugar.
Despertávamos — não só o corpo, mas o espírito.
A paz nos envolvia como um manto invisível de aconchego e harmonia.
Era hora de partir.
Desmontamos nossas barracas — refúgios humildes que, por uma noite, nos fizeram reis do silêncio e das estrelas.
Ronan, o comandante da expedição, sempre atento, fazia sua última vistoria, com o olhar de quem entende o valor dos detalhes.
Nossa jornada seguia desde a ponte BOMPARÁ, em direção à foz no Araguaia.
E no terceiro dia…
Chegamos no PITE.
Ah, o PITE…
Basta fechar os olhos e aquele local volta, inteiro:
As cores vivas.
O cheiro da areia clara.
O brilho do rio ao entardecer.
As risadas ao redor da fogueira.
As canções misturadas ao murmúrio das águas…
E os nossos inseparáveis rádios PX, comunicando com os companheiros espalhados pela trilha.
Foi ali que vivemos — há mais de 40 anos — alguns dos momentos mais doces e intensos de nossas vidas.
À noite, pescávamos deitados na areia, olhos voltados ao céu infinito.
Como se as estrelas sorrissem para nós.
O peixe?
Era só desculpa.
O que valia mesmo era o instante.
A amizade.
A leveza da eternidade silenciosa.
Hoje, essas lembranças apertam o peito —
Mas é uma saudade que não machuca.
Ela só comprova que vivemos algo verdadeiro.
Porque tudo o que se vive com o coração…
Jamais se perde.
Depois do PITE, chegamos à prainha do Lagão.
Novo cenário. Novo nome.
Mais uma ferida doce de saudade aberta no peito.
E então, um pouco abaixo, a praia do Cascalho…
Quantas vezes sentamos ali, em silêncio, só para ver o sol se dissolver no rio?
Às vezes, uma chuva fina nos surpreendia…
Como se o céu também quisesse participar do espetáculo.
Nesses instantes, o rio nos tirava de dentro de nós mesmos.
Levava embora a pressa, os medos, as angústias…
E o que sobrava?
Só presença.
Sem tempo. Sem nome. Sem destino.
Hoje, tudo isso vive em nossas memórias.
O tempo — como sempre — passou.
Mas não levou o que realmente importa.
Cada praia.
Cada canto do rio.
Cada entardecer…
Tudo permanece vivo dentro de nós,
como um tesouro precioso que o tempo não apaga — só faz brilhar mais.
Porque há experiências que não se repetem.
E há lembranças que, de tão intensas…
Se tornam eternas.



