Método de Giovanni Falcone, baseado em seguir o dinheiro e desarticular poder territorial, é apontado por especialistas como modelo, mas adaptação ao contexto brasileiro exige articulação institucional e políticas duradouras
Como a Itália virou modelo contra o crime organizado
Quando se fala em máfia, a imagem clássica costuma ser italiana. Não é à toa. Segundo o Global Organized Crime Index, a experiência da Itália contra o crime organizado virou case internacional, com lições que outros países podem aproveitar. Para especialistas, o Brasil está entre os que podem se beneficiar desse caminho.
O modelo italiano nasceu há mais de 40 anos, fruto de um esforço conjunto de sociedade civil e autoridades. A lógica é simples e dura: cortar o fluxo de dinheiro das facções e impedir que elas controlem territórios. Essa estratégia ficou conhecida como “método Falcone”, referência ao juiz Giovanni Falcone (1939-1992), assassinado pela Cosa Nostra e símbolo da luta antimáfia que culminou na Operação Mãos Limpas.
Antes dele, em 1979, o magistrado Giorgio Ambrosoli também foi morto ao investigar grupos mafiosos. A base do método, como explica o economista Andrea Fantini, professor aposentado da Universidade de Teramo, é seguir as finanças do crime. “Seu princípio fundamental era ‘seguindo o dinheiro, encontra-se a máfia'”, afirma.
Seguir o dinheiro virou arma central
Falcone apostou no rastreamento de fluxos financeiros. A lógica era clara: ao contrário de drogas, dinheiro deixa rastros em bancos, investimentos e contratos. A partir disso, as autoridades reconstruíram redes criminosas, revelando conexões com políticos e policiais corruptos.
“Organizações mafiosas são, antes de tudo, estruturas econômicas”, diz Fantini. Para dar sustentação às investigações, Falcone também usou delatores, como o célebre Tommaso Buscetta (1928-2000), ex-integrante da Cosa Nostra que colaborou com a Justiça e expôs o funcionamento interno da máfia.
Hoje esse modelo se tornou símbolo de investigação robusta: patrimonial, integrada e com uso estratégico de delação premiada. Mas o método não foi obra de um homem só. Ele dependia de cooperação entre Ministério Público, Judiciário, polícia e apoio internacional.
Além da força: Estado forte, cooperação e rastreio financeiro
Para estudiosos, a força das ações italianas esteve na articulação institucional e na persistência. “A resposta não está no direito penal, no aumento de penas”, afirma o advogado Thiago Turbay. Segundo ele, máfias operam com base territorial, econômica e social, e resistem a ações isoladas.
O sociólogo Rogério Baptistini Mendes reforça que não se vence máfia com pirotecnia policial. “Falcone mostrou que não é com tiros ou espetáculo, mas com rastreamento financeiro, preparação investigativa e cooperação”, diz.
O advogado Guilherme Augusto Mota resume o legado: independência funcional, inteligência estratégica e cultura permanente de enfrentamento ao crime organizado.
O que dá para aplicar no Brasil
Especialistas concordam que o Brasil pode aprender com o modelo italiano, especialmente no combate a lavagem de dinheiro e no ataque às estruturas econômicas das facções. “É preciso quebrar a cadeia da lavagem”, afirma Mendes.
Para Mota, essa é a “espinha dorsal” de ações eficazes. Além disso, ele destaca a necessidade de investigações duradouras, proteção a fontes e cooperação entre instituições.
Mas há diferenças importantes. Na Itália, a máfia cresceu onde o Estado existia, mesmo que corrompido. No Brasil, especialmente no Rio, o cenário envolve ausência estatal, desigualdade extrema e domínio territorial de grupos armados.
Enquanto na Itália a máfia se ligava ao setor agroalimentar, no Brasil ela nasce no sistema prisional e nas periferias, expandindo atuação em serviços urbanos informais e no tráfico. Para Fantini, qualquer tentativa deve levar isso em conta e incluir políticas sociais e presença contínua do Estado.
Limites e desafios do modelo italiano
O método Falcone enfraqueceu a máfia, mas não eliminou sua atuação. Hoje o crime se sofisticou, com foco em lavagem de dinheiro, obras públicas e exploração de imigrantes. Segundo Fantini, o crime se adaptou e o avanço das investigações depende de proteção a delatores e combate à corrupção.
Turbay lembra erros graves na Itália, como medidas judiciais excessivas que minaram a confiança nas instituições. No Brasil, o desafio é manter continuidade política, proteger servidores públicos e equilibrar repressão e inclusão social.
Conclusão
A Itália provou que cortar o dinheiro, integrar instituições e manter políticas duradouras funciona. Mas copiar e colar não resolve. Para enfrentar facções com raízes territoriais e sociais profundas, o Brasil precisa adaptar o método Falcone à sua realidade: investigação patrimonial forte, proteção institucional, planejamento de longo prazo e presença efetiva do Estado nas áreas vulneráveis.
( Com BBC News Brasil )
 
			 
                                
 
	 
	

