Antes mesmo da anexação da Crimeia, em 2014, e da invasão russa em grande escala, em 2022, a tensa relação entre Moscou e Kiev tem sido marcada por tentativas de trégua e acusações de violação
Nesta quinta-feira (15/5), o presidente da Rússia, Vladimir Putin, propôs uma nova rodada de negociações de cessar-fogo, a ser realizada em Istambul. O anúncio, no entanto, coincidiu com um ataque aéreo contra Kiev, pondo fim a uma trégua unilateral de três dias declarada por Moscou.
A proposta foi imediatamente rejeitada por líderes europeus, que condicionaram qualquer avanço diplomático a um cessar-fogo incondicional por ambas as partes. Inicialmente reticente, o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, decidiu participar das conversas após pressão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que defende abertamente a retomada do diálogo. Não se sabe, até o momento, se Putin comparecerá pessoalmente ou se será representado por enviados diplomáticos.
EUA adotam protagonismo nas negociações, mas despertam críticas
Apesar de não ter cumprido a promessa de pôr fim à guerra “no primeiro dia de mandato”, como declarou durante sua campanha, Trump tem liderado esforços para aproximar Moscou e Kiev. Desde o início de 2025, Washington vem promovendo encontros separados com representantes ucranianos e russos. Observadores internacionais, porém, apontam que as recentes investidas do governo norte-americano favorecem os interesses do Kremlin.
Acusações mútuas minam trégua após trégua
Desde a invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, vários acordos temporários foram celebrados e sucessivamente descumpridos. Ambas as nações se acusam de romper os próprios compromissos ou trégua do adversário, o que tem inviabilizado qualquer avanço substancial em direção à paz.
Violação de pactos históricos: da independência à integridade territorial
A trajetória de desrespeito da Rússia aos compromissos firmados remonta à década de 1990. O Memorando de Budapeste, assinado em 1994 por Rússia, Ucrânia, Estados Unidos e Reino Unido, previa a entrega, por parte de Kiev, do arsenal nuclear herdado da União Soviética, em troca do respeito à sua soberania e integridade territorial. A invasão da Crimeia, em 2014, representou uma clara violação deste acordo.
Outro pacto ignorado foi o Tratado de Amizade, Cooperação e Parceria, firmado entre Rússia e Ucrânia em 1997, que previa respeito mútuo à soberania nacional. A violação desses tratados consolidou o desgaste diplomático entre os dois países.
Acordos de Minsk: promessas quebradas no papel
Diante do agravamento do conflito no Leste Europeu, as partes tentaram, sem sucesso, firmar compromissos de paz por meio dos Acordos de Minsk. O primeiro, de setembro de 2014, previa 12 medidas para reduzir as tensões. Com duração curta, foi rapidamente ignorado.
Em fevereiro de 2015, o chamado Minsk II trouxe uma nova tentativa de mediação, com o apoio da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). Embora o cessar-fogo tenha sido formalmente declarado, os confrontos prosseguiram já nas primeiras horas, com acusações mútuas de violações.
Tréguas recentes: entre gestos simbólicos e confrontos contínuos
Nos últimos três anos, diversas tréguas de curto prazo foram anunciadas, quase sempre seguidas de novos ataques:
-
6 de março de 2022 – Tentativa de cessar-fogo para retirada de civis em Mariupol fracassa após relatos de bombardeios.
-
8 de março de 2022 – Novos corredores humanitários são inviabilizados por acusações de sabotagem russa.
-
7 de janeiro de 2023 – Rússia declara trégua durante o Natal ortodoxo, mas a Ucrânia denuncia bombardeios ainda durante o período festivo.
-
18 de março de 2025 – Após conversa entre Trump e Putin, Rússia e EUA firmam cessar-fogo de 30 dias para infraestrutura energética; Zelenski aceita cessar-fogo parcial.
-
25 de março de 2025 – Ucrânia e Rússia concordam em suspender operações militares no Mar Negro.
-
27 de março de 2025 – Ambas as nações trocam acusações sobre violações ao cessar-fogo do dia 18.
-
19 a 21 de abril de 2025 – Putin anuncia “trégua de Páscoa”, mas a Ucrânia denuncia milhares de violações ao longo do front.
-
10 de maio de 2025 – Em homenagem ao 80º aniversário da vitória soviética na Segunda Guerra Mundial, Moscou anuncia nova trégua, novamente rompida com centenas de ataques denunciados por Kiev.
Perspectivas para a paz permanecem incertas
A repetição de cessar-fogos descumpridos e acordos sabotados reforça o ceticismo da comunidade internacional quanto à viabilidade de uma resolução pacífica no curto prazo. Enquanto os principais atores globais divergem sobre estratégias e interesses, o povo ucraniano continua a sofrer os impactos diretos de uma guerra que se arrasta há mais de uma década.
