Quadrilhas usam máquinas modificadas para capturar senhas e trocar cartões sem que vítimas percebam
A Polícia Civil do Paraná investiga um esquema criminoso que tem se disseminado por diversos estados brasileiros: o golpe da maquininha de cartão adulterada. O dispositivo, modificado por quadrilhas especializadas, é capaz de transmitir a senha digitada pela vítima diretamente para os criminosos, por meio de conexão bluetooth.
Os golpistas atuam disfarçados de ambulantes ou motoristas de aplicativo. Após induzirem o cliente a inserir o cartão na máquina, realizam a troca do plástico por outro semelhante, mantendo o original e a senha em mãos. Em questão de horas, os prejuízos podem ser expressivos. Uma única vítima, por exemplo, teve perdas que somaram R$ 28 mil.
Casos registrados em quatro estados; suspeitos já foram presos
Além do Paraná, há registros do mesmo tipo de golpe em São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em Curitiba, a Delegacia de Estelionato conduz uma investigação que já resultou na apreensão de diversas máquinas adulteradas e na prisão de três suspeitos, todos oriundos de São Paulo e com antecedentes por estelionato.
Segundo o delegado Emmanoel David, o crime tem se sofisticado. “Além de ambulantes na saída de eventos, falsos motoboys fazem entregas de presentes no dia do aniversário da pessoa e pedem para ela pagar apenas o frete”, explicou. “Nesta hora, dizem que a senha não foi aceita ou que não há sinal e que vão trocar a máquina, momento em que substituem o cartão e enviam a senha digitada, por bluetooth, direto para a quadrilha. São muitas vítimas.”
Em São Paulo, o Departamento de Investigações Criminais (Deic) identificou quatro suspeitos adicionais e nove vítimas. “Foram apreendidas 17 máquinas de cobrança adulteradas, além de diversos cartões bancários. As investigações continuam em andamento”, informou a Secretaria da Segurança Pública paulista.
Vítimas relatam rapidez do golpe e falhas na comunicação dos bancos
A jornalista Maigue Gueths, de Curitiba, foi uma das vítimas. Ao tentar comprar camisetas de um ambulante na saída de um show, foi informada de que a máquina não aceitava pagamento por aproximação. Ela inseriu o cartão e digitou a senha.
“Ele pegou a máquina com meu cartão e disse que não deu certo, que precisaria passar na máquina da colega. Foi muito rápido. Ele pegou e já devolveu. Eu nem conferi, o cartão era igual ao meu, coloquei na bolsa e fui embora.”
No dia seguinte, ao perceber que sua senha havia sido bloqueada, descobriu que estava com um cartão em nome de outra pessoa. Embora tenha recebido uma única notificação de compra no valor de R$ 498, os criminosos realizaram gastos que totalizaram R$ 28 mil em um único dia, incluindo transações em mercados, postos de combustíveis, lojas de roupas e até barracas de churros. Uma das compras chegou a R$ 8.900.
“O banco errou por não me alertar imediatamente, pois quase não uso o débito. Como um cliente gasta R$ 10 mil de uma vez e ninguém avisa?”, questionou. “As notificações estão todas ativadas, mas continuo não recebendo no celular, só no aplicativo, que nem sempre abro.”
Estratégia se repete em eventos esportivos e outras situações cotidianas
No Rio Grande do Sul, um torcedor foi vítima do mesmo golpe ao comprar um lanche de ambulante na saída de um jogo de futebol. O criminoso alegou falha na máquina, trocou o cartão e capturou a senha. As compras subsequentes ultrapassaram R$ 8 mil, segundo o delegado Filipe Bringhenti, do departamento de crimes cibernéticos.
Em Santa Catarina, a Polícia Civil confirmou a ocorrência de fraudes semelhantes, embora não tenha divulgado detalhes. No Rio de Janeiro, o médico Thales Bretas, viúvo do humorista Paulo Gustavo, relatou à TV Globo ter sido vítima de um falso taxista que utilizou o mesmo método.
Bancos resistem a ressarcir vítimas, mas decisões judiciais variam
A dificuldade para obter ressarcimento é uma constante entre as vítimas. De acordo com o advogado Frederico Glitz, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pós-doutor em direito e novas tecnologias, os bancos costumam negar a devolução dos valores, alegando que a transação foi realizada presencialmente com uso da senha pessoal.
“Nos contratos, a senha é intransferível, então o banco entende que existe uma transação autorizada, sem possibilidade de ressarcimento”, afirmou.
Ainda assim, o especialista ressalta que o relacionamento entre cliente e instituição financeira pode influenciar na resolução do caso. Em compras realizadas por crédito, há mais alternativas, como a suspensão do pagamento. Glitz defende que os bancos devem adotar mecanismos de segurança capazes de identificar gastos fora do perfil do cliente — como valores elevados, fornecedores incomuns ou compras em estados diferentes — e realizar bloqueios automáticos.
“Há decisões judiciais que obrigam os bancos a ressarcir as vítimas quando se comprova que os gastos fugiram ao perfil do cliente, mas há decisões contrárias.”
