Conflito em Gaza ameaça patrimônios históricos e vidas de milhares de palestinos, enquanto bloqueios e deslocamentos forçados aprofundam a crise humanitária.
Arqueologia e memória sob risco
Em Genebra, na Suíça, o arqueólogo palestino Fadel al-Otol acompanha, dia e noite, as notícias de sua cidade natal, Gaza. “Meu coração chora por Gaza. Não sei que destino aguarda a cidade”, afirma. Ele deixou a região há poucos meses e preocupa-se com a segurança de sua filha, familiares e de todos que permaneceram na cidade sitiada.
Para al-Otol, a destruição vai além das vidas humanas: ele teme pela perda irreparável de sítios arqueológicos que dedicou décadas a preservar. “Gaza é uma terra de cultura e berço de civilização”, lembra, destacando a importância histórica de bairros como Zaytun, com a Grande Mesquita Omari e antigas igrejas cristãs.
Ataques intensificados e deslocamentos forçados
Nos últimos dias, as Forças de Defesa de Israel (FDI) ampliaram os ataques, aparentemente com a intenção de expulsar cerca de 1 milhão de habitantes antes de avançar com tropas terrestres pelos bairros do norte e leste, destruindo casas ao longo do caminho. Um porta-voz militar israelense orientou moradores a se deslocarem para Muwasi, região próxima a Rafah, considerada “mais segura”, embora também já tenha sofrido bombardeios.
A ONU e organismos de direitos humanos alertam para uma catástrofe humanitária. Desde o início do conflito, ao menos 63.500 palestinos morreram, segundo dados do Ministério da Saúde de Gaza. Muitos ainda podem estar sob escombros. Especialistas e grupos de direitos humanos têm acusado Israel de genocídio, posição considerada “plausível” pela Corte Internacional de Justiça em 2024, embora um veredito definitivo possa levar anos.

Bombardeios em Gaza aumentam, indicando esforço das IDF para expulsar habitantes da cidade – Foto: Mahmoud Issa/REUTERS
Fome e crise humanitária
O bloqueio israelense e a restrição à ajuda humanitária provocaram uma situação de fome em Gaza, declarada pelo Quadro Integrado de Classificação da Segurança Alimentar (IPC) da ONU. Ativistas locais relatam dificuldades extremas para fornecer qualquer assistência, limitadas principalmente a ONGs nacionais.
O deslocamento torna-se ainda mais penoso para crianças, idosos e pessoas com necessidades especiais. Quase toda a população de Gaza foi forçada a se mover diversas vezes. Segundo Shawa, ativista de direitos humanos local, “milhares de famílias estão nas ruas, sem barracas, sem abrigos”.
Histórias de sobrevivência
Sham Mahmoud, palestina de 30 anos e mãe de duas crianças, descreve à DW a impossibilidade de encontrar locais seguros: “Ouvimos explosões o tempo todo, seja em Jabalia, nas áreas orientais ou na própria Cidade de Gaza.” Sua família enfrentou deslocamentos múltiplos e hoje não consegue arcar com aluguel, mesmo de um único quarto.
Bairros tradicionalmente prósperos, como Rimal, transformaram-se em zonas de abrigo improvisadas. Onde antes havia hotéis, restaurantes e praias, hoje há barracas, refletindo a extensão do impacto humano e econômico da guerra.
Desespero e incerteza
Para muitos, a sensação de desesperança é constante. “A vida é aterrorizante em todos os sentidos. Todos os dias há morte, medo da morte e destruição de lares”, afirma Ezzedine Mohammed, 41 anos, que já enfrentou deslocamentos forçados múltiplos.
Al-Otol, apesar da dor, manifesta desejo de retornar. “Gaza será uma cidade triste mesmo se reconstruída. Casas podem ser erguidas, mas reconstruir uma civilização leva muitos anos”, diz o arqueólogo.
A Cidade de Gaza, uma das mais antigas do mundo, enfrenta hoje o risco de destruição completa. Desde 8 de agosto, o Gabinete de Segurança de Israel aprovou plano militar para ocupar a cidade, com a expectativa de deslocar a população para o sul até 7 de outubro. Mais de 80% do território já está inacessível aos palestinos, enquanto 40% da cidade encontra-se sob controle das FDI.
Um momento crítico
Amjad Shawa, líder de rede de ONGs palestinas, descreve a situação como a pior que Gaza já enfrentou: “As pessoas se deparam com decisões impossíveis sobre para onde ir ou quando partir. Os ataques vêm de todos os lados. É um momento assustador e miserável.”
Entre a destruição cultural e a devastação humana, Gaza enfrenta uma encruzilhada que pode alterar permanentemente o destino de seus habitantes e a preservação de sua história milenar.
( Com DW )