Iniciativa apresentada na COP30 aposta em mecanismos de mercado para garantir fluxo permanente de recursos a países que preservam suas áreas verdes
Fundo propõe nova lógica para financiar conservação
O governo brasileiro chegou à COP30, em Belém, apostando alto em um modelo que busca aproximar a proteção das florestas tropicais da lógica tradicional do mercado financeiro. Batizado de Tropical Forests Fund Facility (TFFF), o mecanismo foi lançado pouco antes da abertura oficial da conferência e pretende criar uma fonte contínua e previsível de financiamento para nações que mantêm suas florestas em pé.
O projeto funciona como um fundo de investimento, alimentado por aportes de países, instituições filantrópicas e empresas privadas. Esses recursos serão aplicados em títulos de renda fixa, e os rendimentos gerados terão dupla destinação: remuneração dos investidores e repasses anuais aos países que comprovarem preservação florestal, estimados em US$ 4 por hectare conservado.
Repasses condicionados à governança e preservação
Para participar, não é necessário aportar recursos no fundo. Basta atender a critérios como monitoramento por satélite, comprovação de conservação e criação de mecanismos que assegurem que ao menos 20% dos valores recebidos sejam direcionados a povos indígenas e comunidades tradicionais.
Segundo o diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro, Garo Batmanian, o TFFF difere de modelos recentes por não depender de doações. “É um fundo de investimentos. A ideia é garantir estabilidade e previsibilidade”, afirma.
A comparação imediata é com o Fundo Amazônia, baseado em doações e dependente de novos ciclos de contribuição. O TFFF, ao contrário, projeta autonomia após dez anos, quando teria capital suficiente para reembolsar os aportes governamentais e seguir operando de forma independente.
Recepção positiva e primeiros entraves
Organizações como Greenpeace Brasil e WWF elogiaram o caráter inovador do mecanismo, destacando que ele direciona recursos diretamente às comunidades que atuam na linha de frente da conservação.
Ainda assim, a captação de recursos enfrenta desafios. A meta inicial é arrecadar US$ 25 bilhões de países do mundo todo, valor que serviria como garantia para levantar outros US$ 100 bilhões no mercado. Até agora, os anúncios somam US$ 5,5 bilhões — ainda abaixo da expectativa.
Entre os países que sinalizaram aporte estão Brasil, Indonésia, Noruega, França e Portugal. Porém, nenhum valor foi efetivamente depositado. Em alguns casos, os aportes dependem da aprovação de orçamentos nacionais. No caso da Noruega, maior promessa até agora, o repasse só será concretizado se o país não ultrapassar 20% da participação total do fundo, o que amplia a pressão por novos investidores.
Reação internacional e incertezas
Embora Alemanha e Reino Unido tenham participado da construção do TFFF, ainda não oficializaram aportes. Berlin, inclusive, passou a avaliar o mecanismo com mais cautela após críticas internas. Apesar disso, há expectativa de um anúncio alemão durante a COP30, segundo membros da delegação local.
A hesitação de países desenvolvidos levantou dúvidas sobre a capacidade do fundo de atingir seu volume planejado em tempo hábil. O governo brasileiro, inicialmente otimista, agora adota um discurso mais moderado.
Resistências de movimentos sociais
Além das incertezas financeiras, o TFFF enfrenta críticas de movimentos socioambientais. Para organizações da Amazônia, o modelo não enfrenta pressões reais sobre as florestas — como expansão agrícola, mineração e exploração de petróleo — e corre o risco de transformar a conservação em um ativo suscetível à especulação.
Em nota assinada por mais de cem organizações, o mecanismo foi classificado como forma de “privatização financeira das florestas”, além de ser criticado pela distribuição dos recursos: 80% para governos, 20% para comunidades locais.
Batmanian rebate. “Precisamos de recursos. Não estamos vendendo floresta”, afirma, destacando que a governança exigida pelo fundo garante o repasse adequado às populações tradicionais.
Riscos econômicos e desafios estruturais
Especialistas apontam que a lógica de mercado torna o fundo vulnerável a oscilações globais, o que pode comprometer sua sustentabilidade. Também há preocupação de que transformar a floresta em ativo financeiro supervalorize funções ecossistêmicas sem considerar a realidade social das comunidades.
Outro temor vem de países em desenvolvimento, que receiam que nações ricas usem sua participação no TFFF para contabilizar investimentos como financiamento climático previsto no Acordo de Paris — o que poderia reduzir o volume de recursos destinados a mitigação e adaptação.
Complemento ao financiamento climático
Para o governo, o TFFF não substitui instrumentos já existentes, mas soma-se ao conjunto de alternativas para ampliar o financiamento da conservação. “É mais uma opção no cardápio de mecanismos para proteger florestas tropicais”, diz Batmanian.
O futuro do TFFF, portanto, dependerá da capacidade de atrair novos investidores, construir confiança internacional e provar que a lógica financeira pode, de fato, conviver com a preservação ambiental sem gerar desigualdades ou riscos adicionais às populações que vivem nas florestas.
( Com BBC NEWS BRASIL )



