Liberação do Ibama para perfuração na Margem Equatorial evidencia dilema do governo Lula entre manter receitas do petróleo e sustentar o discurso de potência verde às vésperas da COP30
A decisão de autorizar a exploração de petróleo na Margem Equatorial, região que abrange a Foz do Amazonas, reacendeu o debate sobre as contradições da política ambiental brasileira. O país, que tenta consolidar sua imagem de liderança climática global, aposta simultaneamente em uma nova fronteira de extração fóssil — movimento que combina pressões políticas, interesses econômicos e urgência fiscal.
A poucos dias da COP30, conferência climática da ONU que será sediada em Belém (PA), o gesto coloca o governo de Luiz Inácio Lula da Silva diante do desafio de conciliar a transição energética com a dependência da receita petrolífera.
“Acredito que as exigências colocadas pelo Ibama [para autorizar a exploração] terão pouco peso na imagem internacional do Brasil, que deve sair arranhada dessa decisão, especialmente junto a parceiros que têm investido na transição energética, como a União Europeia”, avalia Carolina Silva Pedroso, professora de Relações Internacionais da Unifesp.
Petrobras inicia perfuração na Margem Equatorial
A Petrobras anunciou nesta segunda-feira (20) que recebeu do Ibama a licença para perfurar um poço exploratório no bloco FZA-M-059, em águas profundas do Amapá. A área fica a cerca de 500 km da Foz do Amazonas e 175 km da costa.
Segundo a estatal, a sonda já está posicionada e a perfuração começará imediatamente, com duração prevista de cinco meses. O anúncio representa o início efetivo da exploração petrolífera na região mais sensível da costa norte brasileira, após anos de impasses sobre os riscos ambientais.
A autorização, no entanto, é cercada de polêmicas. Segundo fontes do setor, a decisão teria sido influenciada por pressões políticas de lideranças do Norte do país e de executivos da própria petroleira, interessados em ampliar a arrecadação regional e garantir novas reservas.
Contradição climática às vésperas da COP30
A liberação ocorre no momento em que o Brasil tenta projetar uma imagem de protagonista ambiental. A COP30, que começa em 10 de novembro, reunirá representantes de quase 200 países em Belém para negociar metas de redução de emissões e discutir o financiamento climático global.
Para o Brasil, sediar o evento é uma oportunidade de reforçar sua credibilidade ambiental, apresentar resultados no combate ao desmatamento e mostrar que é possível ser, simultaneamente, potência energética e climática.
“Desde o governo FHC, o Brasil mantém a agenda ambiental como um dos eixos de sua política externa. […] Trata-se, conceitualmente, da principal expressão do soft power brasileiro, especialmente para um país megadiverso como o Brasil”, afirma José Niemeyer, professor de Relações Internacionais do Ibmec-RJ.
Ele pondera, porém, que a decisão de liberar a exploração na região pode fragilizar a imagem do país nas negociações internacionais, sobretudo diante de nações europeias. “Em um sistema internacional competitivo como o atual, esta contradição pode ser compreendida como conjuntural, onde a ação de política externa deve, na conjuntura de hoje, suplantar a agenda de política energética.”
Repercussões e críticas
Ambientalistas afirmam que a medida compromete a liderança climática do Brasil e contraria compromissos científicos assumidos internacionalmente.
“Por um lado, o governo brasileiro atua contra a humanidade, ao estimular mais expansão fóssil contrariando à ciência e apostando em mais aquecimento global. Por outro, atrapalha a própria COP30”, diz Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.
“Lula acaba de enterrar sua pretensão de ser líder climático no fundo do oceano na Foz do Amazonas. O governo será devidamente processado por isso nos próximos dias”, complementa a especialista.
O cientista Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia, alerta para o risco de colapso ambiental. Segundo ele, a floresta amazônica pode atingir um ponto de não retorno se o aquecimento global ultrapassar 2 °C e o desmatamento superar 20% da área original.
“Além de zerar todo desmatamento, degradação e fogo na Amazônia, torna-se urgente reduzir todas as emissões de combustíveis fósseis. […] Não há nenhuma justificativa para qualquer nova exploração de petróleo”, afirma.
Impactos econômicos e visão do mercado
Para Paulo Feldmann, professor da FIA Business School, a COP30 seria o momento ideal para o Brasil consolidar uma liderança em energia limpa e atrair investimentos internacionais. “O Brasil tem todas as condições de ser um grande líder de energia limpa. […] Poderíamos assumir a liderança desse tema e ser um exemplo para o mundo”, afirma.
O mercado financeiro, por outro lado, recebeu a autorização com otimismo. Em relatório, a Ativa Research avaliou que as reservas atuais da Petrobras têm horizonte de apenas dez anos, o que torna a exploração na Margem Equatorial estratégica para o futuro da estatal.
“A notícia amplia o potencial exploratório futuro e reforça o posicionamento da Petrobras em uma região com geologia similar à da Guiana, onde recentes descobertas impulsionaram a produção local e o interesse internacional”, diz o documento.
(Com Deutsche Welle)