Estudos nacionais confirmam a eficácia da proteína p-tau217 na identificação da doença, abrindo caminho para a inclusão do método menos invasivo e mais acessível no SUS.
Cientistas brasileiros atestaram o alto potencial de um exame de sangue como ferramenta eficaz para o diagnóstico da Doença de Alzheimer (DA). As investigações confirmaram que a proteína p-tau217 é o biomarcador mais promissor para diferenciar indivíduos saudáveis de pacientes com a doença, por meio de uma amostra sanguínea.
O principal objetivo das pesquisas, que contam com apoio do Instituto Serrapilheira, é viabilizar a implementação do novo método diagnóstico no Sistema Único de Saúde (SUS), permitindo seu uso em escala continental.
Barreiras Atuais no Diagnóstico
Atualmente, o Brasil dispõe de duas formas para a identificação precisa da DA: o exame de líquor e a tomografia (exame de imagem). Anteriormente, o diagnóstico dependia majoritariamente do exame clínico realizado por neurologistas, baseado apenas nos sintomas.

Pesquisador brasileiro Eduardo Zimmer, da UFRGS, participa de estudo sobre diagnóstico do Alzheimer – Foto Instituto Serrapilheira/Divulgação
Eduardo Zimmer, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e um dos líderes do estudo, aponta os desafios de infraestrutura e custo para a aplicação das técnicas atuais na rede pública.
“Tanto o exame de líquor quanto a tomografia podem ser solicitados pelo médico para o diagnóstico da doença de Alzheimer assistido por biomarcadores. O problema é que quando pensamos num país como o Brasil, continental, com 160 milhões de pessoas que dependem do SUS, como vamos fazer esses exames em larga escala? Uma punção lombar necessita de infraestrutura, experiência e normalmente é o neurologista que faz. Já o exame de imagem é muito caro para usar no SUS em todo o país”, afirmou Zimmer.
Confirmação Científica e Confiabilidade
O estudo assinado por 23 cientistas, sendo oito brasileiros — incluindo Zimmer e o aluno de doutorado Wagner Brum —, revisou mais de 110 pesquisas globais, abrangendo cerca de 30 mil pessoas, o que confirmou a robustez da p-tau217.
Em testes locais com 59 pacientes, o novo método sanguíneo foi comparado ao “padrão ouro” (exame de líquor), alcançando um nível de confiabilidade superior a 90%, índice preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A validade do achado foi reforçada pela coincidência de resultados de um grupo independente de pesquisadores do Instituto D’Or e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que inclui os professores Sérgio Ferreira, Fernanda De Felice e Fernanda Tovar-Moll. Zimmer destacou: “São duas regiões diferentes do país, com genética e características socioculturais completamente diferente e o exame funcionou muito bem”.
A pesquisa foi publicada na revista Molecular Psychiatry, e seus resultados foram endossados por uma revisão internacional no periódico Lancet Neurology, em setembro.
Desafio de Saúde Pública e Fator Escolaridade
O diagnóstico precoce da DA é considerado um dos maiores desafios globais de saúde. Segundo a OMS, aproximadamente 57 milhões de pessoas no mundo vivem com demência, das quais ao menos 60% têm Alzheimer. No Brasil, o Relatório Nacional sobre Demência (2024) estima 1,8 milhão de portadores, com projeção de triplicar o número até 2050.
No decorrer do trabalho, os cientistas observaram que a baixa escolaridade se apresenta como um fator que acentua a doença, o que reforça a tese de que aspectos socioeconômicos e educacionais impactam o envelhecimento cerebral.
“A baixa escolaridade é um fator de risco muito importante para o declínio cognitivo, ficando acima de idade e sexo. Fizemos esse estudo no Brasil e o primeiro lugar disparado é a baixa escolaridade. No contexto biológico, a gente entende que o cérebro que é exposto a educação formal cria mais conexões. É como se a gente exercitasse o cérebro que fica mais resistente ao declínio cognitivo”, ressaltou o pesquisador.
Caminho para o SUS
Embora o diagnóstico por exame de sangue já esteja disponível na rede privada — com testes importados como o americano PrecivityAD2 chegando a custar R$ 3,6 mil —, a urgência reside na criação de uma alternativa nacional e gratuita.
Para a inclusão no SUS, Zimmer explica que são necessárias várias etapas: confirmar a performance do exame e estabelecer a estratégia e a logística de implementação. “Precisamos de várias avaliações para entender onde as análises serão feitas, quando esses exames vão ser utilizados, que população será beneficiada, se vai acelerar ou não o diagnóstico no SUS”, disse.
Os resultados definitivos para a disponibilização do método são esperados para daqui a cerca de dois anos. Os próximos estudos planejam incluir indivíduos a partir dos 55 anos, e não apenas os com mais de 65, para mapear a fase pré-clínica da doença.
“Vamos começar os estudos com indivíduos com mais de 55 anos, porque sabemos que existe uma fase que a gente chama de pré-clínica da doença de Alzheimer, que é quando a doença começa a se instalar, mas o indivíduo ainda não tem sintomas. A ideia é conseguirmos mapear também a prevalência desses indivíduos”, acrescentou Zimmer.